Walter Falceta: A menina que morreu por 100 anos

São Paulo, inverno de 1917. A elite de tradição cafeeira agora enriquece com a indústria. Para isso, explora cruelmente a mão de obra.

Por Walter Falceta*, no Coletivo Democracia Corinthiana

Edoarda Bindo - Reprodução

As jornadas de trabalho são de até 14 horas. Homens, mulheres e mesmo crianças labutam até a exaustão. Não há hora de almoço, seguro médico, tampouco férias.

Há quem perca os dedos na máquina. As mulheres desesperam-se do cabelo engolido nas engrenagens. Outros simplesmente prostram-se no chão de fábrica, exauridos, mal alimentados e doentes.

O salário é de fome, porque a sociedade produtiva de São Paulo teima em manter o sistema escravagista. Arranca-se a máxima valia do trabalhador.

O negro segue a sina, ainda marginalizado, movendo músculos por quase nada. Os imigrantes italianos, portugueses e espanhóis são enquadrados no modelo da senzala.

No balcão, com a guerra na Europa e ganância local, os preços são cada vez mais elevados. O dinheiro do pobre não vale nada.

Se é para despertar consciências, os anarquistas dedicam-se dia e noite à missão. No Bom Retiro, no Brás, no Belém, na Lapa.

As companheiras, tantas mães e irmãs batalhadoras, suportam o exagero de encargos nas tecelagens. E são elas, também, agora, a reclamar um futuro para seus filhos.

Então, começa a explodir o descontentamento. É frio na cidade. O sangue dos injustiçados ferve.

A força coercitiva da lei, a PM da época, é destacada para reprimir o legítimo direito de manifestação do povo. É violência extrema, o bastão, a ferradura do cavalo, a arma de fogo covarde.

Os fardados imolam o jovem sapateiro José Martinez. A gente indignada conduz seu esquife desde o Brás até o cemitério do Araçá.

Mas não se resume aí a história. Morrem muitos outros. Nestes 100 anos da Greve Geral, redescobrimos que também caiu, por exemplo, Nicola Salerno, que nem operário era, mas somava nas ruas com os irmãos insurretos.

Enfim, ali na borda da Leste, no Brás multicultural e resistente, as mulheres erguem barricadas nas ruas. São valentes, determinadas e corajosas.

Uma delas, esposa de Primo Bindo, é seguida pela filha, a menina bonita, inquieta, preocupada com a sorte da mãe.

Edoarda Bindo tem 12 anos de idade, viço, perfume de alfazema e sonhos, que são subitamente roubados pela bala assassina da força pública.

Tomba. Sangra. Cobre-se logo das lágrimas destas senhoras e senhoritas que não reconhecem o óbito, que reclamam alto da desdita.

A bela Edoarda vai também ao Araçá, enquanto a classe dos rebeldes toma a cidade, interrompe a produção e impõe uma derrota histórica aos tubarões do capital.

Ali, permanecerá em resguardo imóvel, oculta, em retiro, primeiro chorada e, depois, lentamente esquecida.

Será uma morte longa, secular, dura, que fará apagar-se seu nominho e, na sequência, desaparecer sua sepultura simples.

Mas, então, como nada é para sempre, reviverá. Será pelas linhas do militante, pesquisador e ex-senador italiano José Luiz Del Roio, no livro recém-lançado "A greve de 1917 – os trabalhadores entram em cena".

Agora, finalmente resgatada da sombra da história, Edoarda volta para nós. É menina-jovem que salta de volta para a avenida dos acontecimentos. É protagonista. Na arte evocativa abaixo, apenas imaginada, sorri para os justos de alma e coração.

Bem-vinda, pequena companheira!

Edoarda Bindo, presente!