Convergência Negra define agenda contra golpe e reivindica Diretas

A luta contra o genocídio dos jovens negros, a afirmação de políticas públicas afirmativas e o combate ao feminicídio foram alguns dos temas considerados prioritários na 4ª plenária nacional da Convergência da Luta de Combate ao Racismo no Brasil – CONVERGÊNCIA NEGRA, realizada no sábado (1), em Salvador (BA). A articulação política que reúne diversas representações do movimento negro também deliberou pela defesa das eleições Diretas Já.

Plenária Convbergência Negra em Salvador

A plenária se encerrou neste domingo (2) com o ato político “Basta de Extermínio da Juventude Negra”, que teve concentração na Lapinha. O ato da Convergência aconteceu durante as celebrações da Independência da Bahia, no Centro Histórico de Salvador. Os participantes da plenária percorreram o trecho histórico da Independência da Bahia.

Entre os pontos da agenda unitária aprovada pelo movimento negro estão o fortalecimento da atuação da Convergência Negra nos estados brasileiros, a realização da campanha pela Liberdade de Rafael Braga e a construção de uma grande conferência do movimento negro brasileiro em abril de 2018.

Combate ao racismo

As linhas de atuação aprovadas no encontro fazem parte da 2ª Carta de Salvador. Trecho do documento afirma que as eleições diretas são o “primeiro passo para se travar uma ampla e persistente disputa política que seja capaz de criar uma correlação de forças favorável à convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, que refunde o Estado Democrático e que assegure a questão racial como estratégica em suas bases.”

No balanço feito pelas entidades reunidas, o golpe que se instalou no Brasil com a posse de Michel Temer impacta especialmente sobre as populações negras.

“Este golpe e sua agenda racista, misógina e anti-povo, representam um grave retrocesso nos direitos conquistados pela classe trabalhadora e pela população negra e objetivam um retrocesso social e econômico tão grave que poderia ser comparado ao regresso do Brasil ao século XIX logo após a abolição incompleta e inacabada da escravidão”, afirmou Angela Guimarães, presidenta da União de Negros pela Igualdade (Unegro), entidade com a maior delegação do encontro.

Vidas negras são alvo

A dirigente também se referiu aos números do Atlas da Violência divulgado pelo Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea) e o recorte sócio-econômico da violência que vitima em sua grande maioria homens jovens e negros.

“É insustentável a perda de mais de trinta mil jovens negros todos os anos, vitimados por homicídios que contam com a banalização da violência transformada em espetáculo, o absurdo silêncio da sociedade e resultam em impunidade visto que menos de 8% deles vão a investigação, inquérito policial e processo na Justiça”, denunciou Angela.

O aumento do feminicídio relacionado às mulheres negras também foi tema da plenária. Houve um aumento de mais de 54% no assassinato de mulheres negras no período de 2003 a 2013 enquanto se registrou uma redução de 9,8% entre as mulheres brancas. “Esses números nos desafiam a definir medidas de urgência com vistas a estancar a perda de vidas negras”, afirmou Angela.

Diretas Já!

A Carta de Salvador reafirma que o atual governo e setores aliados são representantes dos “interesses dos descendentes da casa grande, que enriqueceram às custas da superexploração do trabalho negro e da constante atualização do racismo”. Para interromper esse governo “somente a mobilização e ocupação das ruas pelas massas” e as eleições diretas.

Cerca de 250 pessoas, representando 14 estados brasileiros, participaram da plenária da Convergência Negra. As entidades presentes e signatárias da Carta de Salvador foram: ABPN – Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, APNs – Agentes Pastorais Negros, CEN – Coletivo de Entidades Negras, Círculo Palmarino, CONAQ – Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas, CONEN – Coordenação Nacional de Entidades Negras, ENEGRECER – Coletivo Nacional de Juventude Negra, FONAJUNE – Fórum Nacional de Juventude Negra, GRUCON – Grupo de União e Consciência Negra, MNU – Movimento Negro Unificado, QUILOMBAÇÃO, UNEGRO – União de Negros pela Igualdade, Instituto Reverendo Martin Luther King, Levante Popular da Juventude, Cipó Comunicação Interativa, Aspiral do Reggae, Luiza Mahin, MCPS – Movimento de Cultura Popular do Subúrbio, Refavela, EMUNDE, Fórum de Matriz Africana.

Confira na íntegra a 2ª Carta de Salvador:

2ª CARTA DE SALVADOR

Reunidas em Salvador no dia 01 de julho de 2017, lideranças do movimento negro representando as organizações nacionais de luta contra o racismo, além de organizações regionais e estaduais de todo o território brasileiro, unificadas sob a égide da Convergência da Luta de Combate ao Racismo no Brasil – CONVERGÊNCIA NEGRA, em sua 4ª Plenária Nacional, declaram e tornam públicos os seguintes pontos que orientam, a partir deste documento, a construção da unidade da luta de combate ao racismo.

A construção deste documento se apresenta como posicionamento da CONVERGÊNCIA NEGRA diante da grave crise civilizatória internacional, provocada pelo capitalismo neoliberal, o avanço das forças conservadoras, reacionárias, fascistas, racistas e misóginas. Donald Trump é a principal representação dessa tendência. Hoje, a crise se caracteriza por aguda instabilidade, imprevisibilidade, alta concentração de renda, recrudescimento da agressão imperialista e ameaça à paz.

No Brasil, forças golpistas se instalam ilegitimamente no poder, desmantelando a Cultura e toda a política afirmativa nos campos da igualdade racial, de gênero, juventudes e LGBT; agora, através das reformas liberais, avançam sobre direitos sociais, trabalhistas e previdenciários, que impactarão especialmente sobre trabalhadoras e trabalhadores negros.

Estamos vivendo em uma tensão política e econômica, num contexto de polarização da disputa sobre os rumos para o desenvolvimento do país. Projetos políticos distintos encontram-se radicalizados e em choque, lutando pela hegemonia da sociedade brasileira, contudo, sem ainda integrarem e compreenderem a importância da população negra como elemento estratégico para o desenvolvimento do país.

A CONVERGÊNCIA NEGRA se contrapõe ao governo golpista e setores aliados (Poder Judiciário, “grandes mídias”, dentre outros), que não tem legitimidade e condições políticas, morais e éticas para governar o Brasil. Consideramos que esse governo representa os interesses dos descendentes da casa grande, que enriqueceram às custas da superexploração do trabalho negro e da constante atualização do racismo.

Reivindicamos, enquanto saída democrática, “ELEIÇÕES DIRETAS JÁ”! Entendemos que esse é primeiro passo para se travar uma ampla e persistente disputa política que seja capaz de criar uma correlação de forças favorável à convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, que refunde o Estado Democrático e que assegure a questão racial como estratégica em suas bases.
Somente a mobilização e ocupação das ruas pelas massas garantirão a interrupção desse governo e as eleições diretas. Para isso, consideramos fundamental uma ampla unidade da esquerda e a incorporação de pautas que atendam as periferias brasileiras, compostas majoritariamente por negras e negros.

A CONVERGÊNCIA NEGRA, instrumento de luta da população negra para mudar o Brasil, vem assumir o protagonismo que lhe cabe no cenário político nacional. Chamamos todo o Movimento Negro, intelectualidade, artistas, personalidades e ativistas sociais a se somarem nessa construção.
Desse modo reafirmamos a nossa pauta política resolutiva como ponto de partida para a construção de uma plataforma e um plano de lutas comum e unitário.

• Contra a redução da maioridade penal;

• Combater as políticas de guerra às drogas, o encarceramento em massa e o extermínio/genocídio da juventude negra;

• Legalização do aborto – “É pela vida das mulheres!”;

• Aprofundar as políticas e ações afirmativas no país, com destaque para as mulheres
Negras e o combate ao feminicídio;

• Autonomia das mulheres negras e participação nos espaços de poder público e privado;

• Lutar pela efetivação das leis 10.639/03 e 11.645/08;

• Avançar na pauta quilombola. Lutar pelo Decreto 4887/03 e contra a ADIN 3239/04 – nenhum quilombo sem suas terras regularizadas e tituladas e com políticas públicas para melhoria da qualidade de vida;

• Combater a intolerância, a violência e o racismo religioso, garantindo a laicidade do estado e a proteção da liberdade de culto e suas liturgias;

• Criminalizar a homofobia;

• Extinguir com os autos de resistência;

• Democratizar os meios de comunicação;

• Inserir a cultura afro-brasileira como elemento fundamental da construção da identidade nacional;

• “Diretas já!” – “Nenhum Direito a menos!”.

A CONVERGÊNCIA NEGRA estará sempre presente nas justas mobilizações do povo, na construção de um país sem opressores, sem oprimidos e com soberania. Reafirmamos que ocupar as ruas é condição fundamental para restabelecer a democracia e uma agenda de retomada do desenvolvimento, que assegure direitos, valorize o trabalho, combata o racismo, machismo, LGBTfobia e outras manifestações correlatas de ódio e opressão.

Para tal, decidimos, na 4ª Plenária Nacional da CONVERGÊNCIA NEGRA, em Salvador, e como consequência das ações anteriores já ocorridas nessa cidade (2015), como também em Porto Alegre (2016) e Sergipe (2016), apresentar uma agenda de atividades a ser realizada pela Convergência Negra contra o golpe, pelas diretas e pelo fim do racismo.

– Garantir a participação da CONVERGÊNCIA NEGRA nas instâncias executivas das Frentes Brasil Popular e Povo sem Medo;

– Realizar atividades de rua do movimento negro, mobilizando artistas, intelectuais, ativistas, e todos os elementos culturais relativos ao povo negro;

– Convocatória de um encontro nacional do movimento negro para debater alternativa política e programática que inclua, de maneira efetiva, a população negra no projeto de redemocratização do país;

– Realizar o 20 de novembro Unificado.

Salvador, 01 de julho de 2017.

Assinam essa declaração:

ABPN – Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, APNs – Agentes Pastorais Negros, CEN – Coletivo de Entidades Negras, Círculo Palmarino, CONAQ – Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas, CONEN – Coordenação Nacional de Entidades Negras, ENEGRECER – Coletivo Nacional de Juventude Negra, FONAJUNE – Fórum Nacional de Juventude Negra, GRUCON – Grupo de União e Consciência Negra, MNU – Movimento Negro Unificado, QUILOMBAÇÃO, UNEGRO – União de Negros pela Igualdade, Instituto Reverendo Martin Luther King, Levante Popular da Juventude, Cipó Comunicação Interativa, Aspiral do Reggae, Luiza Mahin, MCPS – Movimento de Cultura Popular do Subúrbio, Refavela, EMUNDE, Fórum de Matriz Africana.