O novo Atlas da Violência e o antigo perfil das vítimas

Documento do Ipea ecoa a realidade dos grupos mais vulneráveis.

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O mais recente Atlas da Violência, que abarca os anos de 2005 a 2015, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em meados de junho, revela aquilo que há um tempo vem sendo dito por relatórios do gênero: No Brasil, as mortes violentas têm um perfil específico, que associa classe, cor e faixa etária.

Na introdução do documento, consta: “Apenas em três semanas são assassinadas no Brasil mais pessoas do que o total de mortos em todos os ataques terroristas no mundo nos cinco primeiros meses de 2017”. Logo no primeiro dia deste ano, uma rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, deixou 56 mortos. Dias depois, no Penitenciária de Alcaçuz, 26 detentos foram assassinados – quase todos decapitados – na rebelião mais violenta da história do Rio Grande do Norte (segundo o documento, o estado que apresentou a maior alta na taxa de homicídios durante o período analisado).

Em unidades da federação como São Paulo e Rio de Janeiro, onde as taxas tiveram queda significativa (respectivamente, 44,3% e 36,4%), há uma constante: de acordo com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade, estes são os estados onde mais morrem jovens em decorrência de “intervenções legais e operações de guerra”. Invasão de favelas e instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em complexos estão entre as explicações para o fato.

Analisando o total das mortes violentas no País, o Ipea conclui que os homens jovens continuam sendo suas principais vítimas: mais de 92% dos homicídios atingem essa parcela da população. À essa questão, o Atlas dedica um capítulo intitulado “Juventude Perdida”, no qual aponta que, entre 2005 e 2015, registrou-se um aumento de 17,2% na taxa de homicídios de indivíduos entre 15 e 29 anos (dados do Ministério da Saúde).

A mortalidade de pessoas negras também merece atenção especial. Análises estimam que o cidadão negro tenha 23,5% a mais de chances de ser assassinado, em relação a cidadãos de outras etnias. No grupo dos 10% com mais probabilidade de se tornar vítimas fatais, os negros perfazem chocantes 78,9%.

Por fim, o Atlas aborda a violência contra a mulher. Entre 2010 e 2015, verifica-se uma melhora gradual (de 1,5%) na taxa de homicídio do gênero, e apenas no último ano, 18 unidades da federação apresentaram queda na taxa. Conquistas como a Lei Maria da Penha (2006) e a Lei do Feminicídio (que em março completou dois anos desde sua sanção), ajudam a explicar o progresso. Contudo, os números que conectam o gênero a cor nos revelam uma outra realidade: Em 2015, 65,3% das mulheres assassinadas no Brasil eram negras.

Diante das análises mencionadas, conclui-se que os números da violência são consequências diretas do êxito ou do fracasso do Estado na elaboração e execução de políticas públicas que resguardem a vida de seus cidadãos, sobretudo daqueles que, por reunirem atributos socioeconômicos marginalizados, continuam sendo os mais vulneráveis.