Retrato da diversidade no cinema brasileiro das últimas cinco décadas

A segunda edição do “Boletim Raça e Gênero no Cinema Brasileiro” foi divulgada na sexta (23) pelo Gemaa, o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O estudo investiga a presença de mulheres e pessoas negras em filmes brasileiros de grande público entre 1970 e 2016.

De pernas pro Ar - Divulgação

Os filmes que alcançaram mais de 500.000 espectadores nesse período, excluindo documentários e filmes infanto-juvenis, foram selecionados pelos pesquisadores a partir de dados do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual da Ancine, a Agência Nacional do Cinema. Seus diretores, roteiristas e elenco principal foram classificados de acordo com as categorias do IBGE (branco, preto, pardo, amarelo e indígena) para analisar a participação de mulheres e pessoas negras nas “funções de maior notoriedade” (direção, roteiro e atuação) das produções.

Direção

No corpo total de filmes analisados, 2% foram dirigidos por mulheres brancas, 85% por homens brancos e 13% por homens. O número de mulheres brancas que assinam a direção dos filmes de grande público aumentou entre 2010 e 2016 e atingiu os 10%.

Na década de 1990, essa porcentagem também chegou aos 9%, porém sobre um conjunto muito menor de filmes: devido à extinção da Embrafilme pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello, a quantidade de filmes produzidos na década foi muito pequena.

Roteiro

Entre os roteiristas, 8% são mulheres. A identificação de um quarto delas (2%) não foi obtida, e somente uma mulher negra foi identificada na amostra: Julciléa Telles, que dividiu o roteiro da pornochanchada “A Gostosa da Gafieira” com Roberto Machado. A porcentagem de homens negros que assinam o roteiro dos filmes de grande público do período corresponde a 2%, enquanto homens brancos assinam 71% desses roteiros.

Elenco principal

No elenco principal dos filmes, 60% dos atores são homens, dentre os quais 50% são brancos. A participação das mulheres é de 39%. Homens negros correspondem a 9% e mulheres negras a apenas 2%.

Sem mudanças significativas

A cientista política e pesquisadora do Gemaa, Marcia Rangel Candido, avalia que, apesar de um pequeno aumento na participação das mulheres brancas na direção e roteiro dos filmes brasileiros mais vistos no cinema nos últimos 50 anos, não houve nenhuma mudança significativa no quadro geral.

O primeiro boletim sobre o tema lançado pelo grupo de estudos compreendia o período entre 1995 e 2016. O recorte temporal mais amplo do segundo estudo pretendia avaliar se os diferentes governos que estiveram à frente do país tiveram impacto sobre a diversidade, considerando a “forte relação do cinema brasileiro com o Estado”.

A participação de cada grupo social, no entanto, permaneceu quase inalterada. Mesmo com um volume maior de recursos direcionados para o setor audiovisual a partir dos anos 2000, “os investimentos públicos têm sido voltados para dinamizar o setor produtivo. Não tem nenhum olhar sobre a questão da inclusão de mulheres e de negros”, diz Candido. Apesar de haver menção à diversidade no Plano Nacional de Cultura e mesmo em alguns editais especiais para incentivar a produção de cineastas afro-brasileiros, como o Curta Afirmativo, a pesquisadora aponta que a quantidade de recursos destinados a essas iniciativas acaba sendo insuficiente para gerar um impacto real sobre a diversidade nas produções.

“Dinheiro público tem que estar voltado a produzir bons resultados para todas as pessoas. Se tem mulheres e negros querendo produzir, reivindicando esse espaço, ele tem que ser melhor distribuído. As políticas públicas têm que estar mais voltadas para gerar inclusão”, diz Marcia Rangel Candido. “Se [a política pública] investe em filmes em que só está [representada] uma parte da população, não está fazendo um bom trabalho em relação ao todo.”