Thiago Cassis : O título que “mudou a história”

No ano de 1976, o então chamado Club Atlético Defensor* surpreendeu a todos e conquistou o Campeonato Uruguaio. Deixou para trás os gigantes Nacional e Peñarol, e garantiu o título com uma vitória em casa por 2 a 1 frente ao Rentistas, na última rodada. Com gols de Alberto Santelli e Luis Cubilla. Até ai, além da novidade de um campeão diferente no certame uruguaio, nada demais.  

Defensor Uruguai

Entretanto, o que ficou marcado para a história foi a celebração por aquela conquista. Uma volta olímpica “ao contrário”, que começou pelo lado esquerdo. A tradicional volta olímpica, uma volta ao redor do campo dada pelo time campeão, foi criada pelo Uruguai na primeira Copa do Mundo, em 1930. A Celeste foi escolhida pela FIFA para sediar a primeira Copa porque tinha conquistado a medalha de ouro no futebol nas Olimpíadas de 1924 e 1928. E depois de bater os argentinos por 4 a 2 na decisão, os uruguaios deram uma volta no Estádio Olímpico de Montevidéu para saudar sua torcida, assim criaram a volta olímpica.

Pois bem. Em 1973, o Uruguai sofreu um golpe de estado, que implementou no país a ditadura militar, nos moldes já vigentes no Brasil desde 1964. Direitos democráticos caçados, perseguição brutal à esquerda e todo o roteiro de atrocidades que conhecemos bem. O Defensor se preparou para o campeonato treinado pelo, assim chamado pelos uruguaios, Professor José Ricardo De León, que apresentava a si mesmo como “um homem de esquerda”, e implementou na equipe uma forma inovadora de jogar com muita marcação na saída de bola do adversário, o que era diferente da forte exploração do contra-ataque executado costumeiramente pelos times do Uruguai.

E por que a volta olímpica para o lado esquerdo? As relações de jogadores e dirigentes com a esquerda se revelaram aos poucos. O atacante Graffigna talvez seja o maior expoente dessa relação, dois anos antes do título, em uma busca em sua casa foram encontrados documentos da central operária (CNT), que custaram ao atleta algumas horas de depoimento para esclarecer a ligação. Quando o Defensor foi para Buenos Aires, enfrentar Boca e River Plate pela Libertadores de 1977, Graffigna foi impedido de sair do país pelas autoridades uruguaias. O vice-presidente do clube da gestão campeã de 1976, Eduardo Arsuga, foi impedido de concorrer nas eleições do Defensor, também em 1977, o motivo era sua proximidade com a Frente Ampla e com os Tuparamos. Também por conta de relações com os Tupamaros, o jovem atacante Filippini foi afastado da carreira de jogador de futebol para sempre. Ao final da partida contra o Nacional, empate em 2 a 2, o jogador que marcou gol na partida e jogou muito bem, dedicou seus feitos ao seu irmão e aos “compañeros da Penal de Libertad”. O irmão do atleta era um preso político e Libertad era a penitenciária onde vários integrantes dos Tupamaros estavam.

Durante a semana que antecedeu o confronto final, atletas e dirigentes foram perseguidos e persuadidos a evitar qualquer tipo de manifestação política em caso de título do clube. Foi ai então que, o Professor José Ricardo De León, treinador e “homem de esquerda”, sugeriu, logo após o apito final: “deem a volta olímpica ao contrário”. Ou seja, um protesto silencioso que até hoje é apontado por muitos como o momento em que o povo oprimido percebeu que “os de baixo” também podem lutar, e mais do que isso, que podem derrotar os gigantes e os opressores.



*Hoje o clube se chama Defensor Sporting Club, após a fusão, em 1989 com a equipe de basquete
Sporting Club Uruguay