A morte do sonho americano – nos Estados Unidos

Moore voltou à polêmica com 'O Invasor Americano', atual neste momento de caos institucional no Brasil e de brutais investidas contra direitos adquiridos.

Maria Aarão Reis*

michel moore

Deselegante, grosseiro e autor de um cinema panfletário são as críticas mais contundentes ao documentarista americano Michael Moore. Bravamente e apesar dos pejorativos fúteis que tentam fazê-lo parar e desistir da sua obra crítica, ele já investiu contra o capitalismo financeiro selvagem praticado nos Estados Unidos, contra o injusto sistema de saúde do seu país e contra a violência cada vez mais naturalizada que se alastra pelas cidades americanas – além de todas as questões sociais não resolvidas pelos sucessivos governos há quase um século.

De meses para cá, depois dos seus documentários recebidos no mundo ocidental com entusiasmo, e são peças obrigatórias para esclarecer plateias independentes e mais politizadas, – Capitalismo, uma história de amor, Tiros em Columbine, Fahrenheit 9/11 e Sicko – Moore voltou à polêmica na produção de 2016, O Invasor Americano, (Where to invade next), especificamente atual, para nós, neste momento de caos institucional no Brasil e de brutais investidas contra direitos adquiridos.

O Invasor aponta para sérias feridas americanas, matrizes da tentativa de desconstrução – da demolição – das políticas sociais existentes aqui.

Neste documentário recente, o primeiro desde 2009, não exibido nos cinemas brasileiros, (disponível apenas no Netflix) o cineasta decide “invadir” diversas nações para verificar como elas lidam com tais questões e o que têm a ensinar às mistificadas políticas públicas dos EUA.

O diretor finca em outros países – Itália, Portugal, França, Alemanha, Noruega, Finlândia, Islândia e Tunísia – a bandeira norte-americana como símbolo de conquista e ouve de diversos membros da sociedade desses países as suas experiências e vivências em educação, saúde, políticas públicas, alimentação, direitos humanos e direitos sociais, que representam, segundo ele, o outro lado do legendário sonho democrático americano exportado para outras nações embora tenha morrido no seu próprio espaço.

Moore lembra, com ironia e deboche, que essa sua ‘’invasão’’ se dá depois das guerras sucessivas nas quais os EUA tentaram conquistar ou ocuparam, durante cruéis períodos, a Coréia, o Vietnã, o Líbano, Afeganistão, Iraque, Síria e Iêmen e perderam todas as disputas desde a Segunda Guerra Mundial.

Países destruídos pela arrogância imperial.

Na sua passagem pela Itália, ele simula o pasmo ao ser informado que num dos quinze países mais produtivos do mundo é pago um décimo terceiro salário anual aos trabalhadores; que eles têm direito a uma hora de almoço diária entre os dois turnos de atividade e os seus contratos de trabalho não estão sujeitos a negociações entre operários/funcionários e patrões.

Suprimir essas conquistas, é o modelo americano que vassalos desejam impingir, no Brasil.

“As pessoas conservadoras não gostam da expressão bem estar,’’ Moore registra. Ele nos faz lembrar o óbvio. As reformas imorais que o governo golpista tenta empurrar goela abaixo dos brasileiros.

“Italianos têm mais quatro anos de vida que os americanos; não conhecem o estresse,” ele anota.

Na França, ‘‘a democracia é servida com existencialismo e baguete. Nos Estados Unidos os impostos vão para as guerras e resgate aos bancos enquanto lá, são aplicados na saúde e na educação,” Moore compara.

Na Eslovênia, a universidade é gratuita, vista como um bem público. “Quando o governo tentou cobrar mensalidades, os estudantes foram para as ruas protestar e houve um recuo,” relata uma estudante.

‘’Invadindo’’ a Alemanha, a preocupação com a formação da identidade nacional do cidadão, na escola, impressiona o documentarista. ‘’É lembrado permanentemente, e ensinado às gerações novas, como matéria, como se deu a ascensão do nazismo. Ao invés do leviano ‘’e eu com isso?’’, a ideia é ‘’eu sou responsável por isso.'' ’’

Lá, a sujeira não é jogada para baixo do tapete, ao contrário do que ocorreu aqui, com a violência da captura dos africanos trazidos para cá e as atrocidades cometidas contra os escravos, ou do silêncio sobre a matança de índios, nos Estados Unidos.

Seguindo seu périplo, Moore percorre penitenciárias norueguesas e analisa o sistema prisional do país. Nos EUA, após cinco anos de liberdade depois de cumprir pena, 80% dos detentos reincidem. Na Noruega, o índice de recaída criminal é um dos menores do mundo.

E na Islândia, o ‘’melhor país do mundo para as mulheres’’, lembram várias entrevistadas, ‘’se o mundo pode ser salvo, são elas quem farão isto’’.

Durante a crise econômica de 2008, quando a bolha estourou e o país foi duramente atingido, todos os banqueiros foram enviados para a cadeia. Os bancos continuaram abertos.

Por fim, na Tunísia, Moore aprende, com seus entrevistados, que a conquista de direitos se dá nos sindicatos, nos movimentos sociais, e, sempre, nas ruas. É o lugar onde velhos, jovens, adultos e adolescentes defendem as regras e as leis que regem a sua vida.

No final do doc, ele conclui, com ironia: “O sonho americano está vivo em várias partes do mundo; menos na América.”

Embora seja, por vezes, superficial e reducionista, Michael Moore, tal como Noam Chomsky, Oliver Stone, e, na política, até certo ponto, como Bernie Sanders, é uma das raras reservas de consciência crítica de uma sociedade obesa, dopada pelos shoppings, hotdogs e pelos falsos heróis.