A crise institucional brasileira, a "pinguela" e a CIA

Três eventos mostram a profundidade da crise institucional brasileira, com o governo federal transformado numa "pinguela" que sustenta a agenda liberal do PSDB.

Alexandre Weffort

Cia, Estados Unidos

Para tal, contribui também o modo como a justiça intervém no processo político, adiando decisões, no contexto de uma crise institucional que contou com a intervenção sub-reptícia de potências estrangeiras, como os EUA, na qual a recente visita do "chefe do posto da CIA em Brasília" ao constitui indicador relevante.

1. Temer e a CIA

Uma breve notícia assinala, com espanto, que o governo Temer revelou o "nome do chefe da CIA no Brasil", reproduzindo a agenda de Sergio Etchegoyen, do Gabinete de Segurança Institucional, onde o nome de Duayne Norman aparece identificado como "chefe do posto da CIA no Brasil", e que terá sido recebido nessa qualidade, no dia 9 de junho, às 15h, acrescentando, em comentário, que a "equipe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão responsável pela área de inteligência do governo federal, revelou a identidade de um agente da CIA, o serviço secreto norte-americano".

Sendo um "serviço secreto", é natural pensarmos que a sigla identificadora da agência norte-americano não devia sequer aparecer na agenda. E, em rigor, sendo conhecida a sua função naquele organismo de espionagem, tal indivíduo não devia ter sido recebido. Naturalmente, a CIA não deveria poder fixar gabinete em Brasília, atendendo à sua natureza e ao historial de ingerências praticadas no Brasil e na América Latina (não esquecendo o papel desempenhado pelos EUA no Golpe Militar de 1964, no Brasil, assim como na instauração da Ditadura Militar de Pinochet, no Chile, ou suas implicações na Operação Condor).

Mas, a diluição da noção de nação que impregna o governo federal justifica, aparentemente, que o órgão responsável pela área de inteligência do governo federal receba, sem mais, um serviço de inteligência estrangeiro e – pasme-se – estampe o nome na agenda, "delatando" assim o próprio visitante. Como se pode constatar, o conceito de "inteligência" aqui considerado limita-se à função de espionagem, não ao bom senso. Daí que a mídia reverbere: "governo Temer revela identidade de agente da CIA".

2. Temer e a Justiça

Denunciado por Joesley Batista, que chegou a equipará-lo a um "chefe de quadrilha", Temer reage ofendido na justiça (aliás, fez dessa reação propaganda antecipada, em hipotético sinal de força). Mas, segundo a EBC, um juiz federal recusou a ação protocolada por Temer contra Joesley, dizendo: "Não diviso o cometimento do crime de injúria, tendo o querelante feito asserções que, em seu sentir, justificam o comportamento que adotou [refiro-me aos fatos que indicou no acordo de colaboração premiada]. Na malsinada entrevista, narrou fatos e forneceu o entendimento que tem sobre eles, ação que se mantém nos limites de seu direito constitucional de liberdade de expressão".

A decisão do juiz coloca no seu devido plano a reação de Temer à entrevista dada por Joesley Batista à revista Época, diz a mídia que, "segundo a defesa, a entrevista foi "desrespeitosa e leviana", além de ofensiva à pessoa do presidente. Para os advogados, as declarações de Joesley levam a sociedade a questionar a honradez de Temer". É verdade, sobretudo esta última asserção. Também a afirmação, atribuída a Temer, que o empresário [Joesley] é o "bandido notório de maior sucesso na história brasileira", apresenta alta pertinência (é visível o sucesso, no patrimônio, na maneira como dribla a justiça, na agilidade com que suplanta adversários poderosos) e suscita a interrogação: como foi possível o presidente (mesmo que não eleito) receber semelhante figura no palácio e manter as conversas, que acabaram por ficar gravadas.

3. Temer e a "pinguela"

O jogo político palaciano requer a capacidade de conquistar apoios e evitar desapoios. Além do seu próprio partido, o PMDB, a base aliada que sustenta Temer conta com o PSDB. A sustentação do governo requer o apoio dos tucanos, mas os próprios se encontram a braços com problemas de difícil superação. Por um lado, porque estão em cima da "pinguela" (que, caindo, levará ao rio aqueles que a ela recorrem). A imagem da "pinguela" e do rio é da autoria de FHC, que já disse que será melhor "atravessar o rio a nado".

O desgoverno de Temer, mantido com o desapoio do PSDB (neste compasso de espera do judiciário sobre a prisão ou não de Aécio Neves), brindou o Brasil com mais algumas pérolas do absurdo reinante. O PSDB marcou uma reunião da Executiva nacional que, segundo a mídia, "tinha como objetivo principal sacramentar a decisão do partido de antecipar para o segundo semestre deste ano a eleição do substituto de Aécio no comando da legenda. (…) A estratégia é tirar Aécio do foco político para que a legenda possa tentar "renovar" sua imagem para as eleições de 2018. (…) A avaliação interna é de que, mesmo que não seja preso, o senador mineiro não tem mais condições de estar à frente do partido".

Numa atitude exemplar (do modo como as questões nacionais são destratadas pela classe política dominante), a reunião foi adiada pelo motivo mais baixo que um órgão institucional pode apresentar: a "falta de quórum". Assim teve que ser, até porque o STF adiou também a decisão sobre o pedido de prisão de Aécio.

Conclusão

O descrédito das instâncias políticas representativas dos interesses da burguesia brasileira é total. O governo foi transformado na "pinguela" que sustenta a agenda liberal do PSDB. Do mesmo passo, a "pinguela" serve para adiar o desfecho dos processos jurídicos ou mitigar as suas consequências.
Para tal, contribui também o modo como a justiça intervém no processo político. A PGR requer a prisão de Aécio. O STF adia tomar uma decisão por razão processual (válida, é certo) mas que promete levar o desfecho do processo até às calendas gregas, que será quando a opinião pública deixar de considerar a questão relevante.
A crise institucional atingiu fortemente o estado brasileiro, processo que contou com a intervenção sub-reptícia de potências estrangeiras, como os EUA. Intervenção na qual a visita assumida do "chefe do posto da CIA em Brasília" ao constitui indicador evidente (não da tramóia que os serviços secretos norte-americanos habitualmente fazem, mas da desfaçatez com que, no governo federal do Brasil, alguém assume que recebe os ditames da "voz do dono").