‘Um dia vou te matar’: estudo alarmante sobre assassinatos de mulheres

Relatório da organização Human Rights Watch (HRW) divulgado nesta quarta-feria (21) expõe as falhas das autoridades de Roraima em investigar e acolher denúncias de violência doméstica que acontecem naquele estado. 

violencia contra a mulher - violência

Segundo a HRW, os problemas verificados e documentados no estudo “Um dia vou te matar: impunidade em casos de violência doméstica no estado de Roraima”, refletem falhas recorrentes em todo o país no que se refere ao acesso a justiça e proteção às vítimas de violência doméstica.

“Muitas mulheres em Roraima sofrem abusos e violentas agressões durante anos antes de reunirem coragem suficiente para procurar a polícia. E, quando o fazem, a resposta das autoridades é péssima", explica Maria Laura Canineu, diretora no Brasil da Human Rights Watch. "Enquanto as vítimas de violência doméstica não obtiverem ajuda e justiça, seus agressores continuarão as agredindo e as matando.”

O relatório analisa problemas sistemáticos na resposta do estado à violência doméstica ao documentar 31 casos e entrevistar vítimas, policiais e autoridades do sistema de Justiça. Os problemas identificados vão desde falhas no recebimento da denúncia nas delegacias – incluindo a delegacia especializada de atendimento à mulher – até a recusa em registrar o boletim de ocorrência ou solicitar medidas protetivas.

O major Miguel Arcanjo Lopes, coordenador estadual de polícia comunitária e direitos humanos da Polícia Militar de Roraima, reconheceu que, por falta de efetivo, em alguns casos simplesmente não se envia policiais para atender ligações de emergência. Em outros, o critério de atendimento é em função dos casos que “parecem ser mais graves”.

A situação da Ronda Maria da Penha, unidade da Polícia Militar que atende cerca de 20% das ligações sobre violência doméstica em Boa Vista, capital do estado, não é muito melhor. Segundo Cynthya Loureto, coordenadora da unidade, seus membros recebem apenas um dia de treinamento sobre como atender um chamado de violência doméstica. Policiais de outras unidades não recebem qualquer treinamento.

As irregularidades e dificuldades não param por aí. A única delegacia especializada no atendimento à mulher em Roraima, localizada na capital, não abre nos finais de semana, dias em que a violência contra a mulher tem maior probabilidade de acontecer, conforme informações da própria polícia.

De acordo com o estudo, mesmo quando a polícia registra a denúncia, as mulheres têm que contar suas histórias de abuso, incluindo abusos sexuais, no ambiente aberto da recepção, pois em nenhuma delegacia do estado há salas privativas para colher seus depoimentos. Segundo a Human Rights Watch, nenhum policial civil em Roraima recebe qualquer treinamento para lidar com casos de violência doméstica.

A organização afirma que, em Boa Vista, a polícia não conduziu nenhuma investigação em 8.400 boletins de ocorrência de violência doméstica que estão acumulados. Os casos se arrastam durante anos e muitos são arquivados por prescrição dos crimes antes que alguém seja formalmente denunciado.

Taise Campos, uma professora de 38 anos, contou à HRW que registrou mais de 15 boletins de ocorrência para denunciar repetidos atos de agressão física e verbal por parte do ex-marido. Contudo, houve a prescrição antes que ele fosse julgado pelos supostos crimes. "A pessoa que está do outro lado, que é a que precisa de ajuda, desacredita no Judiciário", afirmou Taise.

"Apesar de Roraima apresentar a maior taxa de homicídio de mulheres no país, seus problemas refletem falhas na proteção das mulheres contra a violência em todo o Brasil", afirma Maria Laura Canineu.

Pesquisa do instituto Datafolha publicada em fevereiro revelou que apenas 25% das mulheres que sofrem violência no Brasil relatam a agressão. Em 61% dos casos os agressores são parceiros, ex-parceiros ou conhecidos da vítima. A pesquisa mostrou ainda que quase um terço das mulheres maiores de 16 anos entrevistadas afirma ter sido vítima de violência no último ano, incluindo ameaças, agressões e tentativas de homicídio.

Assista ao vídeo produzido pela Human Rigths Watch