Na CCJ, governo tenta reverter derrota e manter ataque ao trabalhador

Depois de sofrer uma derrota na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, o governo agora investe para tentar reverter a situação na Comissão de Constituição Justiça e Cidadania (CCJC), onde o relator é o senador Romero Jucá (PMDB). Em seu parecer pela aprovação do projeto, que deve ser lido esta quarta (21), ele reitera argumentos contestados por sindicalistas, estudiosos e ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ignorando, portanto, o debate que tem sido travado sobre o tema.

Romero Jucá - Antônio Cruz/Agência Brasil

Mesmo tendo sido rejeitado pela CAS, o PLC 38/2017, que trata da reforma trabalhista, continua sendo avaliado no Senado. A reforma já foi aprovada na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e, se aprovada na CCJC, vai a plenário. Cabe a esta comissão analisar os aspectos constitucionais, jurídicos e regimentais do projeto.

Em seu relatório, Jucá cita números de desemprego e emprego informal no país para defender a ideia de que estes trabalhadores estão à margem da legislação que deveria protegê-los. “A atualização das leis trabalhistas demonstra-se ser uma necessidade premente a ser efetivada na sociedade brasileira, harmonizando os preceitos legais com a realidade fática vivida pelos milhões de brasileiros que laboram nesse país”, afirma, contrariando as muitas vozes que apontam que a reforma proposta pelo governo Michel Temer só irá piorar a situação do trabalhador brasileiro.

Jucá ignora o fato de que, historicamente, a relação de trabalho é uma relação de poder, desigual, na qual o trabalhador está mais vulnerável, uma vez que precisa do emprego. Para o senador, contudo, patrões e empregados “amadureceram” e podem se relacionar de igual para igual.

“Acreditamos firmemente que as relações estabelecidas entre os trabalhadores e seus empregadores amadureceram o suficiente para que a regulação estatal possa se afastar um pouco, mantendo uma função regulatória menos invasiva (…) É a hora de mudar: de um padrão legislativo de tutela e interferência extremada do Estado nas relações para um ambiente de maior liberdade para que as partes, com segurança, possam, finalmente, estabelecer quais são a regras que melhor satisfaçam suas realidades”, escreveu.

Segundo o senador, o projeto “dá protagonismo, nas relações de trabalho, para a negociação entre as partes.” Sem levar em conta os alertas feitos pelos trabalhadores – que projetam maior precarização, informalidade, piora na renda e nas condições de trabalho e ataque a direitos –, Jucá avalia que não há “o que temer” com as mudanças.

Não é o que indicam dezenas de estudos.O advogado Magnus Farkatt, que elaborou uma nota técnica da CTB contra o PLC, por exemplo, avalia que a reforma trabalhista incorporou todas as modificações pretendidas pelo empresariado brasileiro sobre o Direito do Trabalho no Brasil. “Ataca-se, ao mesmo tempo, o Direito do Trabalho, a Justiça do Trabalho, o Processo do Trabalho e as organizações sindicais em nosso país.”

Ao defender que acordos coletivos devem se sobrepor ao que diz a legislação, o relatório de Jucá afirma que a proposição parte da premissa “de que inexiste, no âmbito coletivo, a disparidade de forças entre empregados e tomadores de serviços. Em face disso, a declaração de nulidade dos acordos e convenções coletivas, sob o suposto motivo de desrespeitarem as leis que disciplinam o labor subordinado no Brasil, não se coaduna com o postulado da segurança jurídica, necessário ao desenvolvimento nacional e à manutenção do Estado Democrático de Direito”.

Na sua análise, a reforma “não afronta, em nenhum de seus dispositivos, o regramento constitucional dos direitos sociais consagrados no Capítulo II da Constituição Federal”. Não é o que dizem diversos especialistas, que indicam que muitas medidas contidas na reforma afrontariam inclusive o princípio constitucional que veda o retrocesso de avanços sociais.

Com a mudança no art. 477 da CLT proposta pela reforma, não mais se exigirá a homologação sindical da rescisão dos contratos com mais de um ano de vigência. Para Jucá, a medida não resultará em “nenhum prejuízo, de fato, aos interesses em jogo, ou seja, nem os do sindicato, nem os dos trabalhadores”.

O relator também não vê problemas em a mulheres grávidas agora poderem ser submetidas a situações de insalubridade. O texto do PLC altera o artigo 394-A da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), que determinava que toda gestante deveria ser remanejada ou mesmo afastada de atividades ou locais que oferecessem risco a ela ou à criança.

De acordo com a reforma, trabalhadoras gestantes só serão afastadas de atividades consideradas insalubres “em grau máximo”. No caso de atividades ou locais com nível médio ou mínimo de insalubridade, a trabalhadora só será afastada caso um “médico de sua confiança” fizer a recomendação. No período da lactação, o afastamento também poderá ocorrer apenas se um atestado médico assim indicar.

“Especula-se que, a partir de aprovação deste projeto, as gestantes serão todas obrigadas a trabalhar em condições insalubridade o que, absolutamente, não é o caso”, escreve Jucá no paracer. De fato, nem todas as mulheres serão obrigadas a trabalhar em condições de insalubridade. Mas aquelas mais vulneráveis, mais pobres, que não têm opção, se verão, sim, nessa situação.

Na sua defesa do trabalho intermitente, Jucá disse que é necessário descontruir alguns “mitos”. De acordo com ele, o empregado deverá ser convocado para a prestação do serviço com, pelo menos, três dias de antecedência, garantindo-se ao empregado um dia útil para aceitar ou não a oferta, sendo que a recusa não descaracteriza o contrato.

“Segundo, e não menos importante, tem-se dito que o empregado terá que pagar multa se não comparecer e que isso seria, por si só, um absurdo. Todavia, cumpre, por honestidade, esclarecer que, aceita a proposta, há previsão de multa para ambas as partes em caso de descumprimento, sem justo motivo, permitida a compensação. Não há nada de draconiano na medida”, avaliou.

Na verdade, a reforma trabalhista proposta formaliza e inaugura esta modalidade de trabalho em que o empregado não sabe quanto vai ganhar e nem quanto de trabalho terá. Ficará em casa à espera da convocação do empregador, no entanto, não receberá por essas horas.

“Trata-se evidentemente de uma modalidade de trabalho precário, que não permite ao trabalhador ter uma vida social regular”, denuncia a nota da CTB. O estudo acrescenta ainda que o trabalhador não terá remuneração fixa e “não terá a menor ideia de quanto irá receber ao final de um dia, semana ou mês”.

No relatório, o senador escreve que “muito se tem falado sobre a possibilidade de, por meio de negociação coletiva, reduzir o intervalo intrajornada, até o limite mínimo de 30 minutos, nas jornadas superiores a seis horas. Importante apontar, aqui, que tal possibilidade não é obrigatória. É apenas a permissão para que se negocie, sempre coletivamente, um intervalo menor que o mínimo previsto atualmente”.

Jucá dá seu aval ainda a outro ponto polêmico da reforma, que permite jornadas de trabalho de até 12 horas diárias. Segundo ele, tal regime de jornada de trabalho já está previsto pela legislação infraconstitucional brasileira, além de que a referida jornada especial não poderia ser imposta, devendo ser adotada por meio de acordo individual ou negociação coletiva – mais uma vez ignorando o desequilíbrio nesse tipo de relação.

Sobre o ataque à Justiça do Trabalho, contido na reforma, Jucá justifica que um dos problemas relacionados ao excesso de demandas na Justiça do Trabalho é “a falta de onerosidade para se ingressar com uma ação, com a ausência da sucumbência onerosa e o grande número de pedidos de justiça gratuita. Essa litigância sem risco acaba por estimular o ajuizamento de reclamações trabalhistas temerárias”.

Leia abaixo a íntegra do relatório: