Penélope Toledo: Vai ter manto feminino sim!

Não é preciso ser biólogo para saber que o corpo feminino é diferente do masculino, como não é preciso ser estilista para perceber que mulher, em geral, se veste de forma diferente de homem. Mas foi apenas com pressão que as torcedoras corinthianas conseguiram que a patrocinadora disponibilizasse o modelo feminino da camisa 2.

Camisa do Corinthians - Foto: Divulgação

Foi preciso abaixo-assinado, foram precisas 10 mil assinaturas, foi preciso ampla mobilização nas redes sociais para que o direito da torcedora de vestir o manto de seu clube enquanto a mulher que é, fosse respeitado. Novidade nenhuma, já que todas as conquistas femininas, historicamente, foram na base da luta.

A masculinização dos uniformes para a torcida evidencia o quanto o futebol é pensado para o homem, o quanto torcedor é, para muitos, um substantivo masculino sem flexão de gênero.

O que é uma insensatez, pois a origem da palavra remete justamente às mulheres, que lá nos primórdios do futebol, torciam suas luvas de nervosismo enquanto acompanham o jogo e foram imortalizadas em uma crônica de Coelho Neto.

Não pensar na mulher como torcedora e consumidora de produtos esportivos é um contrassenso também porque somos 51,4% da população brasileira (IBGE), sendo que cerca de 70% torce por algum clube (Pluri Consultoria). Só entre as sócio-torcedoras – que requer pagamento de mensalidades em um país em que o salário feminino é inferior ao masculino, – somos 20%, com destaque ao Internacional, no país, e ao Barcelona.

Ou masculino demais, ou sensual demais, ou rosa

Quando não oprime a feminilidade – ser feminina obviamente transcende roupas e assessórios, mas deve haver o direito de escolha entre usá-los ou não, – os uniformes de torcida superexploram a sensualidade. Muito difícil encontrar nas lojas oficiais um vestido de clube que não seja curto e justíssimo ao corpo.

Não bastasse reduzir o universo feminino à opção binária de masculino x sensual, o que revela uma visão objetificada da mulher quando se pensa nela, impõe-se um padrão estético que não corresponde à maioria das brasileiras. Mais que isto, um padrão que para ser alcançado leva moças a sacrifícios, fome, baixa autoestima e até mortes.

Fora a incompreensão do amor da torcedora pelo clube, revelado por estereótipos e reducionismos. O Flamengo, por exemplo, lançou um uniforme feminino no dia da mulher, mas não era rubro-negro, como as cores do clube, e sim cor de rosa.

OK que os times tenham 3ºs uniformes com cores variadas e que o próprio Flamengo, bem como o Coritiba, lançou anteriormente o manto rosa em alerta ao câncer de mama, mas no dia da mulher a camisa foi uma homenagem e os modelos, exclusivamente femininos – ao contrário da campanha e do 3º uniforme. Alguém achou que se homenageia a torcedora não com as cores do clube, mas com rosa.

Vai ter manto feminino sim!

Parece óbvio que tem que haver modelos femininos de uniformes. Mas a nossa luta tem sido lutar pelo óbvio, invariavelmente. Assim foi com as corinthianas que exigiram uma camisa que lhes agradasse, assim é com todas as torcedoras que entoam uníssonas o seu direito de frequentar a bancada, assim sempre será com nós, mulheres.

Vai ter manto feminino sim! Nas cores do clube, para todos os manequins e com variedade de modelos. Sensual para quem quer sensual e discreto para quem quer discreto. E se alguém reclamar, vai ter o dobro.