Nos EUA, uma nova bolha imobiliária ameaça criar outra crise

Cenário semelhante ao 2008 assusta o mundo ainda não refeito da recessão.

Por Carlos Drummond

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Ainda não refeito do colapso de 2008, o mundo corre o risco de uma nova crise imobiliária nos Estados Unidos, epicentro da recessão iniciada há quase uma década. Nos últimos meses, multiplicaram-se desde o ano passado os alertas de economistas, analistas financeiros e órgãos públicos.

Os mesmos sinais da iminência da quebradeira desencadeada em setembro daquele ano, com a falência do banco Lehman Brothers, ressurgiram e já se desenha a ameaça de uma reedição ainda mais destrutiva.

Os preços dos imóveis ultrapassaram o ápice de nove anos atrás, os financiamentos estudantis e a dívida com cartões de crédito aumentaram de modo preocupante e a cotação das ações atingiu novos recordes históricos.

O preço das habitações subiu 1,4% no primeiro trimestre deste ano em relação aos três meses anteriores, segundo a Federal Housing Finance Agency, órgão do governo para supervisão e regulação do setor habitacional.

Na comparação com o mesmo período do ano passado, a elevação atingiu 6% em média e ocorreu em 48 estados dos EUA. O indicador da FHFA superou o pico alcançado em 2008, de 370 pontos, e chegou a mais de 380 pontos em 2016.

Segundo o Federal Reserve, os empréstimos estudantis aumentaram quase 100 bilhões de dólares por ano e agora totalizam o valor recorde de 1,3 trilhão. A Experian, uma das três principais agências de crédito estadunidenses, informou que mais de 40 milhões de americanos têm ao menos um empréstimo estudantil, com saldo médio de 29 mil dólares. Os créditos para compra de veículos motorizados somam 1,04 trilhão de dólares.

A dívida com cartões de crédito chegou a 1 trilhão de dólares no começo do ano, conforme uma projeção da CreditCards realizada com base em números do Fed, e é a mais alta desde janeiro de 2009, no pico da Grande Recessão.

O índice de ações Dow Jones, da Bolsa de Nova York, bateu o recorde histórico desde 1980, com 21.206 pontos no fechamento na sexta-feira 2 de junho. O nível mais alto pré-crise foi de 14.093 pontos, em 12 de outubro de 2007, e o mais baixo depois disso, de 6.626 pontos, em 6 de março de 2009.

A preocupação com o risco de uma nova bolha imobiliária acompanhada de crise generalizada aumenta conforme a divulgação de números alarmantes. A construção de novas casas diminuiu em abril pela terceira vez em quatro meses, tendência que provavelmente agravará a escassez e elevará os preços em um momento de demanda crescente, alerta um artigo do Wall Street Journal.

A construção diminuiu 2,6% em abril deste ano em relação ao mês anterior, para um total dessazonalizado de 1,17 milhão de unidades, segundo o Departamento de Comércio dos Estados Unidos.

Desde 2012, os preços das casas sobem de forma constante e em muitos mercados regionais recuperaram os níveis anteriores à recessão, confirma Domonic Purviance, especialista em supervisão e regulação do Federal Reserve de Atlanta.

A razão disso, diz, é uma falta generalizada de estoques nos segmentos de unidades novas e usadas. “Ao mesmo tempo, os rendimentos e os salários permaneceram relativamente estagnados. Normalmente, isso se traduz em menor acesso à habitação, já que os preços das casas aumentaram mais rapidamente do que os salários”, sublinha o técnico do Fed.

Segundo Michael Hudson, professor da Universidade do Missouri e autor de livros sobre as bolhas de ativos e o parasitismo financeiro, a causa da elevação do valor dos aluguéis e dos preços depois de 2008 é a tomada, principalmente pelos fundos de hedge, das habitações de 10 milhões de americanos por falta de pagamento.

Hoje, poucos investidores muito ricos, diz, entre fundos gigantes como o Blackstone e indivíduos bilionários, concentram grandes quantidades de unidades habitacionais para especular e aumentar os preços. “Eles estão realmente colocando a guerra de classes no negócio”, alerta o economista.

Para William Poole, da Universidade de Delaware e ex-presidente do Fed de Saint Louis, “os relatórios anuais de 2016 das agências hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac, patrocinadas pelo governo, seguramente mostram que a emissão de hipotecas de alto risco novamente é uma força que nos últimos quatro anos impulsionou em cerca de 30% os preços das casas, que voltaram ao pico elevado de 2006.

Será que a dívida subprime começará a dar problema novamente, quando os preços das casas se estabilizarem? Por que o Fed não está falando sobre esse assunto? Alguém me convença, por favor, de que ‘desta vez é diferente’”.

O Fed está fechando lentamente a torneira de dinheiro barato, mas talvez isso seja insuficiente diante do estrago produzido pela condução errada das políticas econômicas no pós-crise.

A combinação de austeridade fiscal com política monetária frouxa não só falhou em encaminhar uma recuperação robusta, mas também agravou problemas sistêmicos na economia global, em especial a desigualdade e a insuficiência crônica de demanda, conforme a análise do economista Yilmaz Akyüz, da organização South Centre, mantida pelos países emergentes e em desenvolvimento.

Práticas deletérias pré-2008 não foram banidas. “Quando um corretor vende uma casa, a hipoteca sobre esse imóvel é muitas vezes reembalada em um título junto a outras hipotecas. Em seguida, é vendida para outros investidores.

O risco é, portanto, transmitido ao próximo.” O relato de Brian Kehm, sócio da empresa de investimentos The Oxford Club, de Hong Kong, é atual e mostra a repetição de uma das condutas que contribuíram para o estouro do mercado imobiliário dos EUA em 2008.

Muitos dos indicadores podem ser os mesmos, chama atenção Hudson, mas o caráter da crise de agora é diferente.

“Milhões de pessoas já perderam suas casas e houve um deslocamento da habitação, das mãos fracas para as mãos fortes, como dizem os economistas. E eles aplaudem porque, em vez de famílias pobres, minorias de afro-americanos e hispânicos comprando residências muito além de seus recursos, como ocorreu há nove anos, esses imóveis foram perdidos ou tiveram suas hipotecas executadas por falta de pagamento da dívida e os fundos de hedge as compraram à vista e com dinheiro vivo.”

Não era a única opção, mostra a história. Segundo o National Bureau of Economic Research, entre 1935 e 1951, quase 4 milhões de novas unidades de habitação foram financiadas com empréstimos hipotecários segurados pela Administração Federal de Habitação ou garantidos pela Administração de Veteranos.

Esse número representa cerca de 40% de todas as novas unidades de habitação construídas durante esse período e equivale a mais da metade do volume total construído durante os anos 1920.

A escolha do Fed não foi essa, entretanto, mas um mergulho na política de taxas de juros zero “para tentar reinflar uma bolha”, salienta Hudson. Os fundos de hedge e Wall Street perceberam que, com tais juros, em vez de revender as propriedades tomadas por falta de pagamento das hipotecas, poderiam ganhar muito mais dinheiro alugando-as ou especulando.

As pessoas, afirma o professor da Universidade do Missouri, não conseguem se qualificar para a obtenção de empréstimos bancários, portanto não podem comprar imóveis e não encontram casas e apartamentos para alugar, pois esses imóveis foram monopolizados pelos hedge funds. Em algumas regiões dos Estados Unidos, o monopólio abrange 20% do total de imóveis.

O nó resulta de uma opção política favorável ao sistema financeiro, e agora isso fica ainda mais claro. O problema em 2008, explica Hudson, foi que a economia estava superendividada. A solução, mostra a maioria das crises, seria o cancelamento das dívidas, o que possibilitaria um começo de recuperação com um nível muito mais baixo de endividamento.

“A administração Obama, embora tenha prometido chegar a tanto, não cumpriu a promessa. Ele apoiou os bancos, deixou tudo como estava nos livros contábeis, portanto, a economia ainda tem o passivo todo de 2008 e em crescimento contínuo.”

O New York Times insiste, com base em informações do governo, que o otimismo quanto à recuperação da economia aumentou e a prova estaria no fato de que os cidadãos estão assumindo novos compromissos financeiros.

“Os economistas do Escritório Nacional de Pesquisa Econômica chamam o crescimento do endividamento de ‘otimismo’ porque assumem que toda a dívida é uma escolha. As pessoas estariam, portanto, optando por sua própria falência ao usarem mais o cartão de crédito e ao emprestarem mais dos bancos”, ironiza Hudson.

O fato, diz, é que as pessoas não estão tomando mais empréstimos por se sentirem otimistas quanto à economia, mas por não conseguirem equilibrar as contas e pagar sua habitação e sua educação sem se endividar ainda mais. E precisam desembolsar tanto dinheiro para cobrir o serviço da dívida que não podem se dar ao luxo de comprar bens e serviços.

As lojas do entorno da Universidade de Nova York, que costumavam ser prósperas, agora estão às moscas, testemunha Hudson. Ninguém tem dinheiro para comer fora, comprar livros ou sapatos e roupas que costumavam escolher nessas ruas comerciais, pois precisam pagar tanto pela educação que foram empurrados para um superendividamento.

A possível reedição da crise mal resolvida de 2008 será um problema a mais para o Brasil. Seja qual for a solução do atual colapso múltiplo, o País será obrigado a juntar os cacos produzidos pela política econômica predatória da equipe de Temer em um ambiente mundial sem prenúncio de tempos melhores.