Batochio: Delação é travestida de legalidade que remete à Inquisição

A delação premiada se transformou no principal instrumento das investigações da Operação Lava Jato. Instituída pela lei 12.850/2013, que define a organização criminosa, ela prevê o perdão judicial ou a redução da pena em até 2/3 da pena privativa de liberdade ou substituída por restritiva de direitos, desde que o delator contribua para a identificação dos coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações por eles praticadas, além de fornecer documentos que comprovem a infração.

Batochio advogado - Reprodução Brasil 247

Em artigo publicado no Estadão nesta terça-feira (20), o advogado criminalista José Roberto Batochio faz uma análise sobre esse instrumento das investigações que se banalizou e desvirtuou de seu propósito.

Ele resgata que a primeira delação premiada da história do país foi feita pelo coronel, fazendeiro e minerador Joaquim Silvério dos Reis contra os inconfidentes de Minas Gerais, em 1789. Silvério denunciou um grupo que lutava pela ruptura com colônia de Portugal e a proclamação da República, que resultou na prisão, enforcamento e esquartejamento de Tiradentes, com os seus despojos publicamente expostos.

Batochio, que foi deputado federal pelo PDT-SP e presidente do Conselho Federal da OAB, destaca que Silvério, mesmo preso, valeu-se da delação para se livrar de castigo. "Como recompensa, recebeu da Coroa lusitana pensão de 400 mil-réis, o título de fidalgo da Casa Real e o hábito da Ordem de Cristo. “Delatar um levante pode dar lucro bem alto!”, escreveu Cecília Meireles no imperecível poema Romanceiro da Independência", lembrou.

Apesar de Silvério ter entrado para a história como um grande traidor, em nossos dias, a delação premiada ganhou uma falsa blindagem de verdade. "Quando, enfim, acabam por declarar tudo o que os inquisidores desejam ouvir, merecem fé pública – e é de auto de fé que se trata. Não há hoje nos nossos tribunais palavra mais ilibada, testemunho mais confiável, acusação mais idônea que a do delator gratificado", salientou.

Segundo ele, a delação tem sido resultado da "pressão dos inquisidores e da desesperança do delator, em geral despida de ancoragem nas provas,".

"Rituais travestidos de procedimento legal remetem à Inquisição", enfatiza ele, destacando que tais procedimento rompem "a civilidade da justiça democrática do Direito Penal dos povos livres". 

Batochio destaca que as investigações vem acompanhada de mecanismos que empolgam a sociedade, como interceptações telefônicas e filmagens que ganham as manchetes de jornais.

"A velha e boa pesquisa técnica de busca e análise de vestígios materiais das infrações penais e indícios seguros de sua autoria, tão demorada e afanosa, cede passo ao pragmatismo conveniente e à célere facilidade da câmera de vídeo. Desenvolveu-se uma espécie de impaciência (ou macunaímica preguiça?) com o trabalho percuciente e minucioso da busca científica da verdade criminal", destacou.

E acrescenta: "Proclama-se a obsolescência da ciência de Sherlock Holmes, tão talentosamente realçada pelo imaginoso talento de Arthur Conan Doyle, e se fez a opção definitiva pela perigosa superficialidade do “basta ouvir alguém dizer”, disse Batochio, em uma crítica ao procurador Deltan Dallagnol, que nas alegações finais das acusações no processo contra o ex-presidente Lula, cita o personagem de ficção Sherlock Holmes para explicar o uso de uma suas teorias, o explanacionismo. 

Para o advogado, as delações não são espontâneas nem livres. "Homens outrora poderosos, agora alquebrados pelo sofrimento do cárcere desumano, desesperados por penas excessivas, atormentados pela perspectiva de terminarem seus dias na prisão, são conduzidos por certos agentes da autoridade ao mercado de escambos onde lhes arrancam informações em troca de penas mais leves ou mesmo da liberdade em que possam usufruir o butim amealhado. Homens partidos são tangidos para a delação não em busca de títulos ou pensões – embora alguns tenham recebido vantagens pessoais na mesma bandeja em que serviram a cabeça dos delatados", destacou.

E completa: "A delação extraída, fruto da pressão dos inquisidores e da desesperança do delator, em geral despida de ancoragem nas provas, deveria ser um ponto de partida da investigação criminal – e não, como tem sido regra, seu início, meio e fim"