Encontro de Mulheres de Arquibancada: resistência e empoderamento

"O encontro aconteceu sob a compreensão de que o machismo é culturalmente construído, incorporado e reproduzido até de forma inconsciente e involuntária, inclusive pelo sexo feminino".

Penélope Toledo*


Mulheres de arquibancada - Foto: Penélope Toledo

“Número cinco, o tapa na cara, a rima rica,
a vida nova, a idade média, a força velha.
Até tu, minha cara matéria,
lembra quando a gente era apenas uma ideia?
(Paulo Leminski)

Começou com a ideia de reunir num bar torcedoras dos clubes do Rio de Janeiro. Terminou com a reunião num bar de torcedoras de clubes do Brasil inteiro. E entre a reunião no bar imaginada e a reunião no bar vivida, aconteceu o extraordinário.

O 1º Encontro Nacional de Mulheres de Arquibancada, realizado no Museu do Futebol (SP) em 10 de junho, foi extraordinário, porque reuniu aproximadamente 300 torcedoras de todas as regiões do país.

Porque a rivalidade foi jogada para escanteio. Porque deu voz a quem raramente é escutada. Porque cada depoimento se traduziu em uma verdadeira aula. Porque pudemos contar aos homens como nos sentimos e o que pensamos. Porque foi o pontapé inicial de um jogo que só vai acabar quando derrotarmos o machismo na bancada.

Constatar que torcedoras geograficamente distantes, que nunca se viram, que torcem para clubes em muitas vezes rivais, sofrem os mesmíssimos problemas nos dá um pouco da dimensão patriarcado e seu alcance. Não importa em qual estádio e vestindo qual camisa, há mulheres sendo hostilizadas, ofendidas, assediadas, menosprezadas, invariavelmente desafiadas a explicar a regra do impedimento.

Por outro lado, é um alento perceber que há resistência no país inteirinho. Que para cada “não pode”, há muitos gritos de “sim, nós podemos”. São mulheres de Norte a Sul se empoderando e abrindo caminho para que as próximas torcedoras encontrem mais facilidades e não precisem, como nós, ficar repetindo o tempo todo que mulher na bancada não é intrusa, não precisa pedir permissão e não deve desculpas a ninguém.

Não se trata de rivalizar homens e mulheres. O encontro aconteceu sob a compreensão de que o machismo é culturalmente construído, incorporado e reproduzido até de forma inconsciente e involuntária, inclusive pelo sexo feminino. Não foi uma guerra de gêneros e sim a busca pela equidade do direito de torcer.

E foi lindo! Teve menina superando a timidez e subindo ao palco para soltar a voz, teve varal de camisas com rivais lado a lado, teve até pedido de casamento! Para coroar, teve o reconhecimento masculino de que os homens têm muito o que aprender com as mulheres – e o contrário também, afinal, a vida seria bem chata se a gente só pudesse ensinar.

Deu um trabalho danado organizar o encontro! Muitas meninas se envolveram, assumiram responsabilidades, enfrentaram os mais inimagináveis desafios para realiza-lo. A verdade é que a ficha vai caindo aos poucos, vez ou outra uma torcedora tem um estalo e diz assustada: nossa, o que nós fizemos! Há alguns meses, era só uma ideia jogada num grupo de rede social…

Nós, mulheres, temos uma capacidade enorme de transformar ideias em realidades. Sobretudo quando nos unimos, quando entendemos que o problema de uma é o problema de todas. É, se cuidem, machistas, porque as arquibancadas vão ser todas feministas!