Premier League poderá destinar 5% das cotas de TV para futebol amador

Como escrevi em meu mais recente texto no Portal Vermelho, a Premier League inglesa é o campeonato nacional de futebol com a divisão do dinheiro da TV que mais se aproxima do ideal de justiça como equidade de John Rawls. Um ideal que está muito distante da realidade de apartheid futebolístico brasileiro.

futebol inglês - Foto: Getty Image

E enquanto no Brasil ainda se sonha com uma distribuição de “cotas de TV” mais justa e menos desigual, no Reino Unido, o Partido Trabalhista, liderado pelo socialista Jeremy Corbyn, promete estabelecer que 5% do dinheiro das vendas dos direitos de transmissão televisiva seja investido no que eles chamam de grassroots football. Esta é a principal proposta para o futebol que se encontra no manifesto de campanha Trabalhista para as Eleições Gerais que acontecem nesta quinta-feira, 8.

Grassroots football é um termo que significa todo o futebol que não é profissional. O que inclui, dentre outros, o futebol de várzea, futebol amador, escolinhas de futebol, futebol comunitário e campos de futebol em parques e espaços públicos. Em suma, o grassroots football representa a prática em massa do futebol fora de sua estrutura profissional.

A Premier League até possui um sistema de solidariedade em que distribui seus recursos com as divisões inferiores do futebol inglês, o que implica em £4,3 milhões para cada clube da Championship, £650 mil para os da League One, £430 mil para os da League Two, além de investimentos em grassroots. Mas o que os Trabalhistas propõem é uma regulamentação que assegure 5% de todo o dinheiro da TV da liga de elite inglesa para o grassroots de todo o país. Estamos falando de valores que rondam £138,3 milhões por ano, levando em consideração os £2,76 bilhões por temporada entre contratos de TV no mercado interno e internacional.

Os Trabalhistas argumentam que a prática desportiva beneficia a sociedade como um todo e sendo o futebol o “esporte nacional”, sua prática traz valores como trabalho em equipe, desenvolvimento social, saúde e bem-estar, sendo uma ferramenta recreacional e educacional. Por essa razão Corbyn, conhecido fanático do Arsenal, disse, antes da final da Copa da Inglaterra em que seu time bateu o rival Chelsea, que “apesar de o jogo que todos amamos ter acordos lucrativos de TV, o grassroots tem vergonhosamente sofrido à míngua nos últimos anos” e, acrescentou, “é comum que times de garotos não consigam encontrar campos para jogar e quando encontram, são campos muito caros e que reúnem as condições adequadas para eles”.

Como diz o slogan da campanha Trabalhista, “para muitos, não para poucos”, Corbyn acredita que a elite do futebol inglesa tem que contribuir mais para garantir que o futebol seja uma prática de todos e não de poucos e, assim, os novos talentos (jogadores, treinadores e demais envolvidos em todo o sistema do esporte) possam surgir em todo o país, permitindo que a estrutura do futebol britânico tenha uma base forte e sustentável.

Se uma medida como essa fosse implementada no Brasil, cerca de R$64,85 milhões seriam aplicados em campos de futebol em todo o país, investidos em escolinhas de futebol, na promoção do futebol de várzea, no lazer, educação e saúde das nossas crianças e adolescentes. Porém, numa estrutura excludente e segregacionista, que sequer divide de forma equânime as “cotas de TV” entre os times que disputam um mesmo campeonato, imaginar que os gananciosos clubes de elite aceitassem partilhar, de forma solidária, 5% de seu faturamento para a promoção do futebol de base e amador do país é sonhar demais.

Outras propostas

A proposta dos 5% do dinheiro da TV para o grassroots não é a única dos Trabalhistas para o futebol. O partido ainda promete exigir melhorias nas condições de acesso aos estádios de torcedores com dificuldades de locomoção; que as associações de torcedores credenciadas possam indicar/demitir dois membros da diretoria de seus respectivos clubes; e regulamentar a revenda online de ingressos, a fim de que o direito do torcedor como consumidor não seja lesado.

*Emanuel Leite Jr. é doutorando em Políticas Públicas na Universidade de Aveiro (Portugal), bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco e bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pelo Centro Universitário Maurício de Nassau. Autor do livro “Cotas de televisão do campeonato brasileiro: apartheid futebolístico e risco de espanholização”, que serviu de base para o PL 755/2015 que visa a regulamentar as “cotas de TV” no Brasil.