Resenha: Como é que fomos nos meter nesta encrenca?

 Monbiot tem o dom da palavra, e o associa a uma impressionante lucidez. Em geral não gosto de livros em que o autor reúne artigos, mas no caso dele a qualidade dos textos, a variedade das questões tocadas, a capacidade de ir direto onde dói e de explicitar os nossos dramas culturais, sociais, econômicos e políticos constitui um refresco. O que os artigos têm em comum aparece exatamente no título: como é que fomos nos meter nesta encrenca? E haja encrenca.

Por Ladislaw Dowbor

como é que fomos nos meter nessa encrenca?

O autor publica regularmente no Guardian britânico, aliás uma das melhores e mais respeitadas fontes de informação internacional, acessível de graça na íntegra. Coerentemente, Monbiot disponibiliza os seus textos agora publicados no seu blog www.monbiot.com e eu os acesso simplesmente colocando o título no google. Estão em inglês, evidentemente, mas nada é perfeito. Excelente material de discussão, e o inglês científico é bastante simples. O estilo? Simples, duro e gozador, na melhor tradição britânica. Textos curtos, de duas ou três páginas, contundentes.

Peguem por exemplo a sua análise da “infraestrutura de persuasão que utiliza a imprensa corporativa, lobistas, think tanks sem os quais os programas de austeridade que numerosos governos impuseram teriam sido politicamente impossíveis. Os níveis atuais de desigualdade seriam considerados intoleráveis. A destruição do mundo vivo ocasionaria constantes protestos. Este aparato de justificativas e as narrativas que gera permite aos ricos se apropriar de grande parte da nossa riqueza comum, pisotear os direitos dos trabalhadores e tratar o planeta como a sua lata de lixo”. (2) Este conceito de “infraestrutura de persuasão” me soa familiar.

Ele compara, por exemplo, as remunerações de gente útil e de gente inútil ou até nociva: “A economia recompensa as capacidades erradas. Como os chefes se livraram dos sindicatos e capturaram tanto os reguladores como o fisco, a distinção entre os que produzem e as classes superiores que vivem de rendas desmoronou. Os CEOs agora se comportam como duques, extraindo das suas fortunas financeiras somas completamente fora de proporção com o trabalho que realizam ou o valor que geram, somas que por vezes exaurem os negócios dos quais se tornaram parasitas. Eles não têm mais merecimento da fatia de riqueza que capturam do que os sheiks do petróleo.”(190)

Contundente também como apresenta a deformação da noção de liberdade que o neoliberalismo nos apresenta: “A liberdade da elite relativamente às regras democráticas restringe a liberdade de outras pessoas de se livrarem da fome, da pobreza e das condições brutais de emprego. Isso limita o acesso livre e gratuito à saúde e à educação; a se ver livre dos acidentes industriais; livre da poluição, das drogas, dos tubarões das finanças e dos abusos de confiança. Liberdade para o setor financeiro significa o caos especulativo, crises econômicas e resgates que o resto de nos tem de pagar”. (4)

Um dos meus preferidos não está neste livro, mas disponível online: “Neoliberalismo, a ideologia na raiz de todos nosso problemas”. Por alguma razão, quando defendemos os pobres, a distribuição de renda, políticas inclusivas, redução das desigualdades, qualificam pejorativamente estas visões de “ideológicas”. O neoliberalismo, esta desgraça maior da atualidade, não seria uma visão ideológica, mas constituiria a racionalidade de um sistema impessoal e invisível: o mercado. Esconderam uma visão profundamente ideológica atrás de um conceito impessoal. Partindo desta ideia, em algumas poucas páginas Monbiot traz um dos textos mais fortes que já li sobre o assunto: Neoliberalism – the ideology at the root of all our problems

Monbiot é muito didático. Cada pequeno texto pega em geral um tema ou um fato concreto, como a matriz energética, a agricultura familiar, o tratamento de imigrantes, a dívida pública e assim por diante, e traz dados básicos e um raciocínio demolidor. Denominador comum? Sem dúvida: a denúncia “da mesma cansativa agenda de menos impostos para os ricos, menos ajuda para os pobres, e menos controle dos negócios.”(216) Soa familiar?