O sucesso da ‘Lampions League’

Copa do Nordeste copia Champions, conquista torcedores e turbina cofres dos marginalizados pela CBF.

Guilherme Padin, do El Pais

Zeca Brito, Copa do Nordeste - Foto: Divulgação

Foram 40.738 pagantes na Fonte Nova, um dos 12 estádios da última Copa do Mundo, protagonizando uma festa digna de grandes competições internacionais. A decisão da Copa do Nordeste, na última quarta-feira, teve os dois maiores e mais vencedores clubes da região, Bahia e Sport, em mais um embate histórico. Aqueles que estiveram presentes na final foram coroados com um presente do atacante Edigar Junio, autor do sublime gol da vitória por 1 x 0 e do título do Tricolor Baiano, após um empate por 1 x 1 no jogo de ida. O ambiente, o enredo e o desfecho da noite em Salvador foram mais uma prova do recente crescimento do torneio regional de maior êxito no Brasil.

O chamado Nordestão, intermitente por questões jurídicas e políticas, começou em 1994, e chegou, neste ano, à sua 14ª edição, com o Bahia sagrando-se campeão pela terceira vez. Desta vez, num torneio mais consolidado e estruturado, superando os estaduais da região nos estádios, audiência e faturamento para os clubes. "É a bandeira de autoafirmação para um povo que geralmente é ignorado, inclusive no futebol", disse Bruno Formiga, comentarista dos canais Esporte Interativo, que detêm os direitos de transmissão da competição desde seu retorno, em 2013. A emissora transmite todas as partidas do campeonato para todo o país, e as divide com a Globo, que, na tevê aberta, mostra um jogo por rodada no Nordeste.

Com uma média de 5.973 pagantes por jogo em 2017, superou, neste quesito, a todos os estaduais, com exceção ao Campeonato Paulista, que teve 9.768 por partida. O Paulistão, porém, conta com cinco clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, sendo três deles Palmeiras, São Paulo e Corinthians, donos dos melhores públicos do país. “[Os públicos da Copa do Nordeste] são bem maiores que os estaduais da região. Isso é ótimo para os clubes”, diz Diego Cerri, gerente de futebol do Bahia. Em um torneio que conta com quatro estádios do Mundial de 2014 – Castelão, em Fortaleza, Arena das Dunas, em Natal, Arena Pernambuco, em Recife, e Fonte Nova -, ter uma competição que movimente bons públicos nos estádios é de suma importância para que estes não se tornem elefantes brancos.

"Ela (a Copa do Nordeste) é um sopro financeiro para os clubes e para a região. O Nordeste, tratado como Mundo Árabe, que veem como 'é tudo a mesma coisa', ganha exposição e visibilidade", analisa Formiga. Como as principais razões para a consolidação do torneio, estão, segundo o jornalista cearense, "a soma de um produto bem acabado e organizado a uma realidade de outros pessimamente acabados, como são os estaduais."

Cerri e Alexandre Faria, executivo de futebol do Sport, veem a Lampions League, como é chamada a competição, em uma mistura de Champions League e cangaço, como "a mais importante do Nordeste no primeiro semestre", perdendo apenas para o Brasileirão, se considerada toda a temporada. Dirigentes de clubes de um escalão abaixo dos pertencentes ao G12, Alexandre e Diego acreditam que as cotas da Série A deveriam ser divididas de forma mais igualitária. “É um desafio muito grande. Nós (clubes de menor poderio financeiro) temos que usar a criatividade para tentar igualar aos times do eixo ‘Rio-São Paulo-Minas-Rio Grande do Sul. É necessário mais equilíbrio’”, considera Faria. Cerri analisa que “quanto mais parelhas financeiramente, melhor para a competição. Fica mais atrativo. Aqui (na Copa do Nordeste) isso é feito de forma mais igualitária.”

Frequentes ações de marketing e consolidação de marca da Copa do Nordeste são parte do sucesso nos últimos quatro anos, período do retorno da competição. Inspirado na Champions, o campeonato tem eventos de sorteio para as fases de grupos; música própria – ela foi rearranjada pelo maestro Eduardo Souto Neto, compositor do Tema da Vitória, conhecido nacionalmente nos triunfos de Ayrton Senna -; bola específica, a Asa Branca, nome escolhido pelo público em uma enquete pela internet; o ‘Tour da Taça’, quando o troféu da Copa – a "orelhuda", como é chamada por se parecer com sua xará europeia, possui nove anéis, em alusão ao número de estados da região – passa pelas grandes cidades participantes; e, por fim, mas não menos importante, Zeca Brito, um animado e divertido mascote que marca presença em todos os principais jogos e cerimônias do torneio. Esses trabalhos são organizados e realizados, na maioria das vezes, pelo Esporte Interativo, emissora pertencente ao grupo norte-americano Turner, que decidiu apostar no torneio regional em 2013, quando voltava ao calendário brasileiro e ainda não possuía a mesma dimensão dos dias atuais.

A bonita festa na Fonte Nova, minutos antes do início da decisão

Para Faria, executivo do clube recifense, "a importância dada pelos grandes times nordestinos ao torneio faz com que ele se consolide cada vez mais; e, assim, é bom para os menores, que usam a copa como vitrine para venderem seus talentos e se estabilizarem. Essa visibilidade ajuda a minimizar as diferenças entre as equipes participantes do torneio." Diego Cerri completa: “Há também um valor simbólico e emblemático, pois é um orgulho para todos os nordestinos. E, além disso, tem essa disputa sadia sobre quem será o vencedor da região a cada ano. Mexe muito com os torcedores.”

Alexi Portela, presidente da Liga do Nordeste, afirma que, em 2017, a renda da Copa do Nordeste chegou a R$ 24 milhões. Dessa quantia, cerca de R$ 18,6 milhões foram destinados à premiação dos clubes. Portela garante que, na próxima edição, o valor chegará a R$ 30 milhões, sendo R$ 23 milhões para premiação. A divisão dos valores de premiação do chamado Nordestão é dividida em 50% divididos igualmente entre todos os participantes e outros 50% por mérito esportivo.

Para o Sport, por exemplo, A Copa do Nordeste valeu, antes mesmo de chegar às finais, R$ 2,9 milhões, o dobro da quantia gerada pelo Campeonato Pernambucano.

Desde sua criação, a Copa do Nordeste foi considerada como o mais importante torneio regional para o povo nordestino, e também era bem recebida pelos clubes, já que também era – e ainda é – rentável para os envolvidos. Na edição de 2017, rendeu, como premiação, mais de R$ 18 milhões. Na próxima, o valor deve alcançar R$ 23 milhões. Em proporção, cada jogo do torneio vale dinheiro para os clubes que partidas da Série B do Campeonato Brasileiro. Ademais, o formato de decisões no mata-mata e o embate entre grandes clubes locais, como Bahia, Vitória, Sport, Santa Cruz e Ceará, são dois dos principais ingredientes da receita de uma competição que tem estimulado as torcidas locais.

O retorno da Copa do Nordeste

Por questões políticas e de calendário, a Copa do Nordeste foi extinta pela CBF em 2003. Em 2010, a Liga do Nordeste, então presidida por Eduardo Rocha e composta pelos principais clubes da região, decidiu pôr fim à pausa de seis anos e reviver a competição. Atual presidente da Liga, Alexi Portela explicou ao El Pais o porquê de sua nova interrupção, que criou um hiato entre 2010 e 2013, quando voltou a ser disputada: “O Eduardo [Rocha] me chamou para ajudá-lo a montar essa competição. Precisávamos fazer tudo direito, e, para alinhar a organização da Copa com o calendário, as federações e a CBF, tivemos de parar por dois anos. Esse tempo foi bom, o suficiente. Conseguimos fazer um torneio atrativo e rentável para clubes e torcida… Para todo o Nordeste.”

Assim, em 2014, a Copa do Nordeste voltou, desta vez com o apoio do Esporte Interativo. Portela conta que a parcela de importância da emissora foi “muito grande, pois ninguém mais além deles (Esporte Interativo) acreditou na competição. Não conseguimos de mais ninguém o apoio que nos deram. Bancaram uma competição que estava desacreditada. Não tínhamos expertise, então se responsabilizaram, além das transmissões, pelas ações de marketing e consolidação da marca que se tornou a Copa do Nordeste.”

Estaduais perdem força?

Somado ao enxuto calendário brasileiro, o crescimento da Copa do Nordeste pode afetar os estaduais da região. Para Formiga, “é normal que presidentes das federações se incomodem pela perda de força dos estaduais, mas, sendo produtos mal organizados e mal acabados, isso já era uma tendência.” Faria, executivo do Sport, acredita que “o caminho ideal para isso seria enxugar os estaduais e deixá-los mais curtos e atrativos”. Portela, presidente da Liga do Nordeste, também afirma que “os estaduais deveriam ser menores”, mas não acredita que a existência do torneio regional os afete, “pois uma boa atuação nos estaduais pode dar vaga na Copa do Nordeste, o que quer dizer que os clubes ganham um atrativo a mais.”