Procurador do Trabalho:O trâmite da reforma trabalhista é uma violação

O Portal Vermelho conversou no dia 24 de maio com o Procurador do Trabalho e integrante do Ministério Público do Trabalho (MPT), Renan Kalil. Na entrevista por telefone, ele afirmou que o Senado também dificulta o diálogo sobre a chamada reforma trabalhista repetindo o que ocorreu na Câmara dos Deputados. Para Renan, a velocidade da tramitação exclui a opinião dos representantes dos trabalhadores e não dá chances para que a sociedade compreenda o que está em jogo.

Por Railídia Carvalho

Renan Kalil, procurador do trabalho - Edilson Rodrigues/Agência Senado

A reforma trabalhista passou na Câmara e agora tramita nas comissões do Senado. Nesta terça-feira (30), o relatório de autoria do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) deverá ir à votação na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) da Casa sem ter sido lido. A determinação foi do senador tucano Tasso Jereissati. Parlamentares da oposição buscam anular a decisão.

A pressa pela aprovação do relatório se justifica pelo sinal verde dado por Ricardo Ferraço, que recomendou a aprovação do substitutivo do deputado Rogério Marinho acrescentando alguns vetos que voltariam em forma de medida provisória.

O substitutivo de Marinho aprovado na Câmara dos Deputados em abril alterou 97 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O PL original alterava 7 artigos da CLT e 8 artigos da lei do trabalho temporário. 

“Não foi feito debate sobre essas 97 alterações feitas pelo deputado Rogério Marinho. E da apresentação do relatório na Câmara até a aprovação no plenário teve um espaço de 26 horas para o debate. Debater a alteração de 97 artigos da CLT em 26 horas é um absurdo”, enfatizou Renan.
Segundo o Procurador, a imagem de diálogo que o Congresso tenta vender não se concretiza na prática. “Isso causa muita preocupação porque o Direito do Trabalho é uma matéria que se exige consensos mínimos entre empregadores e empregados. Não é o que se vê. O movimento sindical não está se sentindo minimamente contemplado com o que está sendo discutido”, avaliou.
Violação de direitos 
 
Desde a apresentação do PL 6787, em dezembro de 2016, o MPT realiza debates, apresenta notas técnicas, participa de audiências públicas no Congresso e dialoga com parlamentares. O Procurador Chefe do MPT, Ronaldo Fleury, tem repetido que dos cerca de 700 Procuradores a maioria é contrária à reforma. 
A restrição do acesso ao poder judiciário é um dos pontos da reforma trabalhista que preocupa o MPT. “Há uma série de regras previstas que tem o objetivo de desestimular os trabalhadores de realizar reclamações trabalhistas. Isso está sendo discutido muito pouco e sem o peso devido”, lembrou Renan. 
Ele apontou ainda o impacto na competência dos juízes do trabalho. “Também é uma restrição para os juízes trabalharem. Juízes vão poder analisar apenas o conteúdo formal das negociações e acordos coletivos. Não vão poder fazer análise de mérito, isso tira o poder da justiça e impede de fazer uma análise mais detalhada sobre o conteúdo desses instrumentos”. 
Na opinião de Renan, a formalização do trabalho intermitente é um dos pontos mais danosos da reforma trabalhista. È um contrato de trabalho em que o empregado fica à disposição do empregador, que contrata e paga só quando precisa. 
Lado mais fraco 

“O trabalho intermitente acaba precarizando muito a condição do trabalho. O trabalhador não sabe quantas horas vai trabalhar, quanto de trabalho ele vai realizar, quando vai receber. Inviabiliza qualquer planejamento familiar porque o trabalhador não vai saber se vai pagar contas, aluguel, como vai se sustentar”, exemplificou.

O Procurador citou ainda a terceirização da atividade-fim e o negociado sobre o legislado utilizado para o rebaixamento de direitos. “Apesar de o negociado sobre o legislado estar sendo discutido desde o início só poderia ocorrer para treze pontos, agora pode acontecer para tudo, menos para alguns artigos da Constituição”, comparou. 
Renan contou que logo após a aprovação do PL da terceirização houve questionamento por parte dos empregadores sobre a aplicação da lei para toda e qualquer atividade. “Demonstrando que vão usar de todos os limites que a lei permitir”, disse.
“O direito do trabalho é criado para atenuar essa desigualdade econômica que é inerente entre empregados e empregadores. A desigualdade econômica persiste e vem aumentando no país. A condição do trabalhador não melhorou a ponto de estar em pé de igualdade com o empregador.  O direito é para tentar amenizar essas desigualdades”, ressaltou Renan.
Desrespeito a convenções internacionais

A proposta de reforma trabalhista também não observa uma série de compromissos internacionais, entre elas convenções como as de número 98 e 154 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), disse Renan.

"Na opinião da OIT a proposta em trâmite no congresso especificamente o negociado sobre o legislado não só viola as convenções como também desestimula a realização da negociação coletiva e coloca em xeque a sua legitmidade diante da sociedade".

A resposta da OIT ao Ministério Público do Trabalho veio após consulta feita em abril pelo órgão ao departamento de normas da organização internacional. 

Flexibilizar para precarizar

Segundo o Procurador, a crítica mais comum ao projeto da reforma trabalhista é que o discurso da da flexibilização é usado para rebaixar direitos.

“Em uma série de países do mundo esse discurso foi implementado e só fez piorar as condições de trabalho. É evidente que é preciso debater as alterações no mundo do trabalho mas o que tem se feito é usar o discurso para diminuir o patamar de proteção ao trabalhador”.

Renan contestou a suposta desatualização da CLT. Segundo ele, uma análise adequada da lei mostra que apenas 15% dela mantém a redação original. “Sempre há espaço para modificação mas tudo isso deve acontecer dentro de um contexto em que haja possibilidade dos diversos pontos de vista da relação capital trabalho e não é o que a gente identifica na condução da reforma trabalhista”.

Ele não poupou o argumento do governo que atrela a reforma trabalhista à geração de empregos. “É uma das grandes falácias que existe em relação à propaganda que vem sendo feita. Portugal, Espanha e México que implantaram reforma trabalhista semelhante viu que não foram gerados empregos mas houve aumento da precarização e rebaixamento da massa salarial”.
O Procurador lembrou ainda que o caso da Espanha a situação de precariedade se agravou tanto a ponto de o Fundo Monetário Internacional (FMI) exigir nova reforma trabalhista “porque as coisas saíram de controle” naquele país. A Espanha diminuiu contratos de trabalho estáveis, de tempo integral e prazo indeterminado e implementou contratos precários como Temer quer fazer no Brasil com contratos parciais, intermitente e teletrabalho. "È o caminho que a gente está percorrendo aqui".
Falácia da geração de empregos

Renan citou ainda a pesquisa Rumos da Indústria Paulista realizada pela Fiesp em Abril que mostra que Para 70% das empresas de SP, a reforma trabalhista não é grande incentivo a contratações e investimentos. “Até quem vai contratar tá dizendo que não vai gerar emprego. Isso é um dado sintomático”.

 
Pesquisa Datafolha de maio aponta que a reforma trabalhista – assim como da Previdência – é rejeitada pela maioria da população. Enquanto 71% são contra a reforma da Previdência, quase 60% considera que a reforma trabalhista vai prejudicar os trabalhadores e beneficiar os patrões.
“Levantamento acho que da Repórter Brasil mostra um dado interessante sobre a exposição dos argumentos favoráveis e contrários às reformas. Mais de 60% da exposição é ocupada pelos argumentos que defendem as reformas mas mesmo assim a maioria da população rejeita as propostas. Pode ser uma tentativa de reverter esse quadro”, avaliou Renan.