Decreto de Temer é abuso e busca amedrontar manifestantes, diz jurista

Para o professor de Direito da Universidade de Brasília (UnB) e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Marcelo Neves, a decisão do presidente Michel Temer de convocar as Forças Armadas para conter os protestos em Brasília “não tem base constitucional”. Na sua avaliação, trata-se de um “abuso”, uma tentativa de “amedrontar” os manifestantes e “enfraquecer” os atos contrários ao governo.

Marcelo Neves - Agência Brasil

Temer publicou, nesta quarta (24), em edição extraordinária do “Diário Oficial da União”, decreto autorizando o emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem no Distrito Federal, até o dia 31 de maio. Segundo o texto, a área de atuação das Forças Armadas será definida pelo Ministério da Defesa.

O decreto foi publicado em meio a conflitos entre Polícia Militar e manifestantes, no dia em que cerca de 150 mil pessoas marcharam em Brasília contra as reformas trabalhista e da Previdência e pedindo eleições diretas.

“Ele [o presidente] está criando uma situação de exceção que não tem base constitucional, porque, para usar isso, ele tem que justificar que se esgotou a capacidade da PM de atuar. E nada diz que haja uma situação assim. É uma manifestação de protesto em que não há nada de perigoso para o Estado. Se há alguns focos específicos [de conflito], isso é controlável”, disse Marcelo Neves, por telefone, ao Portal Vermelho.

As ações para "Garantia da Lei e da Ordem" são previstas no artigo nº 142 da Constituição Federal e são regulamentadas pela lei complementar nº 97 de 1999 e pelo decreto presidencial 3.897 de 2001. A legislação prevê a utilização das Forças Armadas em situações em que houver o entendimento de que a PM não é suficiente ou não é capaz de lidar com determinada crise.

Para Neves, contudo, não foi o caso da manifestação em Brasília. “Me parece que ele [Temer] está abusando de um decreto de 2001, que afirma que cabe a atuação das Forças Armadas em certas situações em que, para manutenção de ordem, a Polícia Militar não se mostrar capacitada. Esse decreto de 2001 já é um tanto problemático à luz da Constituição. (…) Mas, mesmo assim, não há nenhuma demonstração de que a PM não poderia manter a ordem”, avaliou.

Segundo o professor, não há justificativas para o uso do Exército, e o objetivo de Temer foi intimidar os manifestantes. “É um abuso, uma forma que ele [Temer] está usando para amedrontar, reprimir, de certa maneira aterrorizar os grupos que estão contrários à sua manutenção no poder. Não tem nenhuma justificativa para o uso de Forças Armadas em uma simples manifestação de grupos insatisfeitos com um detentor de poder que está envolvido em casos de corrupção gravíssimos. É tentar, dessa maneira, enfraquecer [os protestos] através dessa medida. E realmente é preocupante”, criticou.

Questionado se a situação do país poderia descambar para uma intervenção militar, Marcelo Neves avaliou que o atual presidente não tem o apoio das Forças Armadas – “porque está totalmente desmoralizado, é um criminoso”, disse – e não há no país as condições para um golpe militar.

“[O decreto] é um ato de desespero. Acho improvável que ele encontre um apoio amplo nas Forças Armadas. Se houvesse um golpe, eventualmente, seria com a exclusão do próprio Temer. Mas acho que não há atmosfera para isso dentro das próprias Forças Armadas, porque não há um tipo de apoio interno e internacional necessário e porque, dentro das próprias Forças Armadas, houve certas modificações de posturas com o tempo”, defendeu.

Para o professor da UnB, Temer não teria condições de dirigir um golpe militar. “Realmente as Forças Armadas, se tivessem de intervir, acho que seria prendendo o próprio Temer”, encerrou.