A história do Caldeirão do Beato Zé Lourenço

No ano de 1890, Zé Lourenço chega a Juazeiro do Norte. Ele saiu da Paraíba, com outros romeiros, agricultores sem-terra, atraídos pela fama do Padre Cícero.

Por Edson Veriato

Caldeirão de Santa Cruz do Deserto - Jean Messias

Logo que chega em Juazeiro, Zé Lourenço participa do grupo dos Penitentes. Depois aconselhado pelo "Padim Ciço", ele arrenda uma terra no Sítio Baixa Dantas, perto do Crato. A terra era do Cel. João de Brito. O Padre Cícero sempre visitava o Sítio Baixa Dantas e ficava feliz de ver tanta fartura. Todos lhe queriam muito bem.

Em 1914, houve uma revolta entre Juazeiro e Fortaleza.

Zé Lourenço não entrou nos combates. Mas o exército do governo passou pelo sítio e fez muitas destruições. Quando terminou a guerra, o Beato voltou para o sítio e recomeçou tudo de novo.

A paz não durou muito tempo. O Cel. João de Brito vendeu o terreno para outro proprietário e o novo dono exigiu a entrega das terras ocupadas pelo Beato. Naquele tempo não tinha nenhuma defesa para o trabalhador rural, nem sindicato existia. O Beato e todos os seus companheiros foram expulsos da terra, sem nenhuma indenização pelas benfeitorias de tantos anos. Isso aconteceu em 1922.

Em 1926, "Padim Ciço" mandou o Beato Zé Lourenço juntar umas famílias para tomar conta do Sítio Caldeirão. Esse sítio, de propriedade do "Padim Ciço", fica na Serra do araripe no município do Crato. Era chamado Caldeirão, devido o grande caldeirão de pedra que conservava água até o verão.

Em pouco tempo o trabalho de tantos agricultores conseguiu transformar o Caldeirão em uma terra muito produtiva. Lá eles produziam, também, as ferramentas de trabalho, roupas e calçados.

Mil novecentos e trinta e dois foi o ano de grande seca em todo o Nordeste. Em todo canto morria gente de doença e de fome. Mas no Caldeirão não morreu nenhuma pessoa de fome. Nos armazéns tinha o suficiente para todo aquele povo comer. Não faltou comida pra ninguém, nem para os flagelados que chegaram.

Os políticos e donos de terras não viam com bons olhos a concentração de trabalhadores em Caldeirão, que além de não pagarem renda, dificultavam a mão de obra barata nas fazendas. Lembravam da experiência de Canudos e tinham medo que o povo na posse da terra livre, criasse uma organização forte como a de Canudos.

Padre Cícero morreu em 1934, Caldeirão perdeu seu defensor. Suas terras foram procuradas pelos Salesiano, que se consideravam herdeiros do Padre.

Mas a autoridade do Beato Zé Lourenço aumentava e Caldeirão estava se transformando num grande centro de romaria. O Bispo e os padres estavam bastantes preocupados.

Políticos da região, grandes proprietários de terra, a justiça e a Igreja juntam-se aos poderosos da capital e montam um plano de destruição contra o Caldeirão. A primeira expedição foi realizada em 11/09/1936 e foi comandada pelo capitão Cordeiro Neto, que mais tarde foi prefeito de Fortaleza.

Inicialmente queriam oferecer passagens de trem para as famílias transportarem as bagagens e se retirar do local. O povo não aceitou. Os soldados cumpriram as ordens chegadas de Fortaleza. Queimaram 400 casas, as moagens e as roças. Nenhuma arma foi apreendida, ninguém tinha arma entre os dois mil habitantes do Caldeirão. Os soldados roubaram tudo que podiam levar.

A segunda expedição para destruir Caldeirão ocorreu em 11/05/1937, e encontrou resistência de um grupo liderado por Severino Tavares. Este líder passou a contrariar as ordens do Beato Zé Lourenço que pregava a resistência, mas sem tocar em armas. Nesse confronto morreram um capitão, seu filho, um sargento e um soldado. Outros soldados ficaram feridos. Três camponeses morreram.

O governo do Estado telegrafou pedindo reforço Federal que enviou uma esquadrilha de aviões. Bombardearam as casas e as roças dos trabalhadores. Foi uma coisa horrível. Cerca de mil trabalhadores foram mortos.

Zé Lourenço e seu povo voltaram para Caldeirão, começaram tudo de novo. Quando já estavam situados, chegou uma carta dos salesianos, ordenando que ele se retirasse com toda a populaçao. Zé Lourenço saiu direto para Pernambuco, foi para a fazenda União, em Exu. Lá morreu de peste bubônica, no dia 12 de dezembro. Seu corpo foi sepultado em Juazeiro do Norte.

Caldeirão foi destruído, mas até hoje milhões de posseiros e trabalhadores sem-terra continuam na mesma busca de uma nova terra. Na busca de terra livre, onde possam trabalhar como irmãos.