Leitão: respeite o trabalho rural!

O projeto é tão acintoso, que até mesmo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, tucano de alta plumagem, não se conteve e declarou que “…aquilo é uma loucura… Não pode ser assim”. Já a jornalista de “bico grande”, Eliane Cantanhêde chegou a pedir a expulsão de Nilson Leitão do PSDB. Nas mídias sociais, choveram ácidas críticas!

Projeto leitão - Miranda Muniz
 * Miranda Muniz

O deputado e presidente “Bancada Ruralista”, Nilson Leitão (PSDB/MT), propôs o PL-6442/16 sob o pretexto de “regulamentar o trabalho rural”, mas que, se aprovado, trará sérias consequências à saúde, à segurança e às conquistas históricas dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Na prática, regridem as relações de trabalho a um sistema de semiescravidão, violando princípios constitucionais e convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Antes de qualquer coisa, é preciso dizer em alto e bom tom que o trabalho no meio rural já possui ampla regulamentação, notadamente na Lei 5.889, de 8 de junho de 1973 e na Norma Regulamentadora N. 31 (NR-31), instituída pela Portaria N. 86, de 3 de março de 2005, a qual trata especificamente da Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura, Pecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Aquicultura.

Uma Nota Técnica, assinada pelo Procurador Geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, de 6 de maio de 2017, e que no final requer sua rejeição total, elenca os principais descalabros deste projeto.

Preliminarmente, destaca o “déficit democrático pela ausência de discussões e debates sociais ampliados”, um dos pressupostos do Estado Democrático de Direito (art. 1º e 3º da Constituição Federal) e um compromisso internacional assumido pelo Brasil, nos termos da Convenção 144 da OIT.

A seguir, o MPT, alerta para os efeitos danosos do tal “negociado” (rebaixado) sobre o “legislado”. A redação do artigo 2º do projeto não deixa dúvidas: “Art. 2.º As disposições desta Lei e da Consolidação das Leis do Trabalho, quanto ao trabalho rural, poderão ser negociadas mediante convenções ou acordos coletivos de trabalho.” Ou seja, nem mesmo os patamares mínimos de garantias e direitos da própria lei proposta, nem os estabelecidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), estariam assegurados, numa flagrante deturpação do princípio original do “negociado e legislado”, onde só é admito o “negociado” desde que este seja mais benéfico ao trabalhador em relação ao “legislado”.

Quanto aos efeitos nocivos à saúde e segurança, a Nota Técnica destaca: 1) extinção da Comissão Permanente Nacional Rural, tripartite e encarregada das questões de segurança e saúde; 2) afasta a aplicabilidade das disposições relativas à segurança no transporte de trabalhadores; 3) dispensa a obrigatoriedade de exames admissionais, desde que realizados no período de 90 dias anteriores; 4) acaba com a obrigatoriedade da descontaminação dos equipamentos de proteção ao final de cada jornada; 5) retira dos ministérios do Trabalho e Saúde a responsabilidade pela fixação de regras para manipulação de venenos e afins, transferindo para o ministério da Agricultura; 6) afasta a aplicabilidade da responsabilidade solidária; 7) permite que idosos com mais de 60 anos possam manipular agrotóxicos; 8) acaba com o direito do trabalhador ter acesso ao Atestado de Saúde Ocupacional; 9) retirar a obrigatoriedade do kit de primeiros socorros; 10) estabelece peso máximo para levantamento e transporte manual de carga, sem levar em conta a questão de gênero e as condições físicas dos trabalhadores e trabalhadoras.

Como se não bastasse, além de fragilizar as normas de saúde e segurança, ainda diminui o número de integrantes e exclui a representação dos trabalhadores na CIPATR (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes no Trabalho Rural), deixando apenas os representantes indicados pelos patrões.

Entre as reduções de direitos, reconhecidos pelas leis e jurisprudência destacam: 1) estabelece a “dupla visita” para a inspeção; 2) afasta a ultratividade das normas coletivas; 3) dispõe que a declaração de nulidade de uma das cláusulas leva a anulação de instrumento coletivo; 3) autoriza o fracionamento do intervalo intrajornada; 4) possibilita o intervalo para o almoço de 4 horas, forçando o trabalhador a ficar a disposição da empresa por 12 horas; 5) deixa a mercê do empregador a fixação do intervalo intrajornada; 6) acaba com as horas in intineris (tempo gasto no deslocamento casa-trabalho-casa); 7) autoriza a prorrogação da jornada por 4 horas; 8) autoriza o trabalho aos domingos e feriados, sem qualquer condicionante; 9) permite o trabalho por até 18 dias seguidos; 10) autoriza a venda integral das férias; 11) amplia o conceito e objeto do “contrato de safra”, retirando direitos e elevando a rotatividade da mão de obra; 12) cria o contrato de trabalho intermitente, com remuneração por hora; 13) altera a duração da hora extra noturna de 52 minutos e 30 segundos para 60 segundos e o período para sua concessão passa das 10:00 às 5:00 para as 21:00 às 4:00,

Mas a “cereja do bolo” está no artigo 3º onde permite ao empregador pagar o trabalhador com dinheiro (salário) ou remuneração de qualquer espécie. Ou seja, faculta ao patrão pagar com serviços, moradia, alimentação, parte da produção e até mesmo cessão de pedaço de terra, numa clara revogação da Lei Aurea que colocou fim no sistema obsoleto e desumano de escravidão em nosso país.

Na justificativa apresentada para o projeto, o deputado ruralista não tergiversa e elenca como um dos objetivos principais: “o aumento dos lucros e redução de custos”.

O projeto é tão acintoso, que até mesmo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, tucano de alta plumagem, não se conteve e declarou que “…aquilo é uma loucura… Não pode ser assim”. Já a jornalista de “bico grande”, Eliane Cantanhêde chegou a pedir a expulsão de Nilson Leitão do PSDB. Nas mídias sociais, choveram ácidas críticas!

Desmoralizado e mais isolado do que cachorro louco, o deputado emitiu uma Nota queixando-se das “interpretações equivocadas” e pedindo a suspensão da tramitação, mas prometendo retomar a carga em futuro próximo.

Portanto, mais do que nunca, devemos estar atentos, denunciar tal iniciativa insana e fazer todo o esforço no sentido de arquiva-la, jogando-a na lata de lixo da História, local de onde a mesma nem mesmo deveria ter saído.

Miranda Muniz – agrônomo, bacharel em direito, oficial de justiça-avaliador federal, diretor de comunicação da CTB/MT – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil e presidente do PCdoB/Cuiabá