O futebol ainda é uma caixinha de surpresas, apesar de tudo

Com a mercantilização desenfreada do futebol, as zebras e seus resultados surpreendentes são cada vez mais raros. Em via de regra, quem investe mais, vence mais. Ainda bem que o Novo Hamburgo veio nos acalentar e mostrar que sim, a bola ainda é capaz de nos pregar peças.

Penélope Toledo*

Novo Hamburgo futebol

De um lado do campo estava um clube que vem cicatrizando as feridas de seu primeiro rebaixamento para Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro, mas que segue sendo uma das principais potências do futebol brasileiro. De outro, um clube que disputa a Série D da competição nacional.

De um lado do campo havia 36 títulos gaúchos e uma hegemonia de seis conquistas seguidas; uma Copa do Brasil; três Brasileiros, sendo um de forma invicta; duas Libertadores da América e um mundial de clubes, a conquista mais desejada no esporte bretão. De outro, um time que nunca havia levantado a taça em seus 106 anos.

De um lado do campo jogavam atletas consagrados, como D'Alessandro, Edenílson e o goleiro Danilo Fernandes, com altas remunerações. De outro, uma folha salarial total em torno de R$ 150 mil.

O pequeno vence o grande

Mas futebol não é matemática. A equipe do interior gaúcho jogou feito time grande, de igual para igual nos dois jogos, ignorou o fato de não poder mandar a partida em sua casa, ousou sair na frente do marcador, não se intimidou na disputa dos pênaltis e sagrou-se a campeã do Gauchão de 2017.

Isto, depois de fazer a melhor campanha da fase de classificação, de liderar o campeonato de ponta a ponta e de manter-se invicto contra a forte dupla Gre-Nal, detentora de 81 títulos estaduais, somando as conquistas de ambos.

Foi uma vitória da cidade Novo Hamburgo, a capital nacional do calçado, que voltou a se destacar com os pés. Foi uma vitória do futebol do interior, campeão estadual depois de 17 anos – o último foi o Caxias, em 2000. Foi uma vitória da resistência que, como bem destacou o centroavante João Paulo, “quebrou o sistema” e “mudou as capas dos jornais”.

Que o “sistema” continue sendo “quebrado”

Felizmente, o futebol ainda é uma caixinha de surpresas, apesar de tudo. Infelizmente, momentos assim têm sido cada vez mais raros no futebol-produto, óbvio e frio.

Apenas no Rio Grande do Sul e no Espírito Santo, um clube foi campeão de forma inédita. Doze, dos 18 campões estaduais, têm mais de 20 títulos. E a Ponte Preta segue sem soltar o grito que está sufocado há 117 anos.

A Macaquinha escancara a triste realidade: é muito difícil quebrar o sistema. E o Novo Hamburgo aquece o nosso peito e dá um sopro de vida aos nossos sonhos: não é fácil, mas é possível “quebrar o sistema” e “mudar as capas dos jornais”. Em um momento de golpe de Estado, esta percepção é essencial.