Sérgio Rêdes: Trem da alegria, a trupe de Afonsinho

Outro dia, batendo papo numa roda de amigos, fui questionado por um deles: “Isso aí não é do meu tempo!”. Respondi de primeira: “É verdade!”. Tem gente que pensa que a vida começa quando ele nasce. É bom ter cuidado porque gente sem memória vira fantasma de si mesmo.

Afonsinho no Santos

 Início da década de 70. Vivíamos a fase mais repressora da ditadura militar. Pessoas eram presas, torturadas, jornais censurados, artistas perseguidos. É nesse clima que surge no Botafogo, vindo de Jaú, um jogador habilidoso, criativo e com excelente visão de jogo.

Teve uma rápida passagem pelos juvenis e passou para o time de cima. Escalado fora de posição, não conseguiu se firmar. Em 1970 foi emprestado ao Olaria. De cabelo e barba grande se reapresentou ao Botafogo em 1971. Interpelado pela diretoria sobre o visual respondeu que isso era pessoal.

Foi o pretexto que a direção técnica precisava para radicalizar. Proibido de treinar, Afonsinho levou o caso para a Justiça. Foi nesse período de exceção que um jogador proibido de trabalhar começou a questionar o regime injusto ao qual ele e outros jogadores estavam subordinados.

A sociedade brasileira, com o passe preso, viu na atitude de Afonsinho a luta de um homem pela sua liberdade e a identificação com ela foi imediata. Amparado por um forte apoio popular e o prestígio de seu advogado Rafael de Almeida Magalhães, Afonso ganhou seu passe no STJD da CBF.

Livre, jogou com sucesso ainda no Vasco, Santos, Flamengo e Fluminense, e em 1976 fundou o Trem da Alegria. Um misto de futebol, cultura, cinema e fotografia que, como diz o nosso João de Paula, driblou o sistema repressivo que se instalou naquele tempo.

O “Trem”, como era conhecido, viajava pelos interiores de São Paulo, Minas, Rio de Janeiro. Certa feita, fez uma excursão ao Nordeste intitulado “Setembro”, jogando em Fortaleza, João Pessoa e Recife. Com ele, uma trupe de artistas e a presença do capita Carlos Alberto Torres.

Trem da Alegria – Futebol –Arte-Ofício, participou da 40ª mostra do Cinema Internacional de São Paulo e foi exibido Cine São Luís, em Fortaleza. O olhar do diretor Francis Vale documenta esse fato colhendo uma série de depoimentos de Fagner, Paulinho da Viola, Fausto Nilo, Moraes Moreira, Pelé e outros.

A sociedade brasileira, com o passe preso, viu na atitude de Afonsinho a luta de um homem pela sua liberdade