Calixtre: Mudança acentua caráter excludente da reforma da Previdência

Depois de deixar de fora da reforma da Previdência os militares, o governo Michel Temer decidiu retirar do projeto também os servidores estaduais e municipais. Para o economista e pesquisador André Calixtre, a mudança piora o perfil distributivo da reforma, tornando-a ainda “mais excludente”, uma vez que retira do projeto os integrantes do serviço público de estados e municípios, mas não ameniza as regras que penalizarão justamente grupos mais vulneráveis da sociedade.

Michel Temer

De acordo com Calixtre, a decisão do governo é, na verdade, um “recuo estratégico”, com o objetivo de tentar aprovar a draconiana reforma que encontra resistência no Congresso.

“O governo mandou uma proposta acima do razoável para negociar com o Congresso. Todo técnico sabia que tinha gordura para cortar. No entanto, [a gestão] adotou uma postura inegociável, de tudo ou nada, e isso surpreendeu a todos. O governo foi perdendo votos com essa postura e, agora, percebeu que errou”, opinou o economista.

Na sua avaliação, contudo, a estratégia de deixar de fora os servidores de estados e municípios (incluídos no Regime Próprio de Previdência Social – RPPS), não altera o que tem de pior na reforma de Temer, que são as regras que recaem sobre a maior parcela da população (atendida pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS).

“Ele recuou naquilo que ninguém esperava, na previdência pública dos estados. Pegou muito mal e não resolveu o problema do apoio do Congresso à reforma”, opinou. “Mantém a parte pior da reforma. Ele poderia ter melhorado o caráter distributivo, mas preferiu manter a crueldade do sistema, que é a reforma do RGPS”, completou.

De acordo com Calixtre, o “núcleo central da exclusão dentro da reforma” atinge especialmente o Regime Geral. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que Temer enviou ao Congresso estabelece que homens, mulheres, trabalhadores urbanos e rurais, só poderão se aposentar a partir dos 65 anos e depois de 25 anos de contribuição. Mesmo assim, apenas terão direito a 76% do benefício. Para conquistar o direito aos 100%, será preciso contribuir por 49 anos.

A proposta também endurece as regras para o acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BCP), que atende idosos com mais de 65 anos e deficientes que possuam renda familiar de até 1/4 do salário mínimo por pessoa.

“Em nada disso, ele está mexendo. Fiquei surpreso que ele optou pelo recuo exatamente onde estavam os menos afetados, que eram as previdências públicas de estados e municípios. Isso pega de surpresa o debate técnico, que estava tentando buscar outro modelo de financiamento, outra forma de equacionar o déficit atuarial contábil dentro do orçamento da seguridade social, dentro de um modelo de desenvolvimento”, disse.

De acordo com o pesquisador, a mudança tornou a reforma ainda pior. “Fica ainda mais excludente, ainda que eu entenda que, dentro dessa classe dos servidores municipais e estaduais, tenha a classe das aposentadorias especiais, que são os professores. Nesse caso, teria que relativizar um pouco a discussão porque os professores, que têm, na minha opinião, direito à aposentadoria especial, pela natureza de seu trabalho. Tirando essa questão específica, a mudança piora ainda mais o perfil distributivo da proposta”, ponderou.

O governo argumenta que é preciso fazer a reforma porque haveria um déficit no orçamento da Previdência, uma conta que diversos especialistas contestam. De acordo com Calixtre, ao excluir da reforma militares e servidores estaduais e municipais, o governo deixa de fora justamente os principais responsáveis pelo alegado rombo.

O economista citou que, pelas contas da gestão, o déficit de 2015, por exemplo, teve a seguinte composição: servidores civis da União (18%), militares (15%), servidores públicos estaduais (28%) e segurados do Regime Geral da Previdência Social (39%).


(Elaboração do gráfico: Rafael Bianchini Abreu)

“Ou seja, os dois grandes focos da questão do déficit no projeto da reforma da Previdência eram as previdências públicas estaduais e o RGPS. Só que, em termos de tamanho, o RGPS é muito maior, cobre muito mais pessoas, que a previdência pública dos estados. Então é uma escolha que piora ainda mais a proposta, que é predominantemente excludente e que vai restringir o acesso ao sistema”, criticou.

Para ele, cada vez mais o governo esvazia o seu próprio discurso de que não haveria privilegiados na reforma e todo mundo pagaria sua parte dentro das mudanças da Previdência. “Mas há uma dificuldade imensa do governo de ceder no que deveria de fato ceder. Ele tenta ceder no RPPS, porque o mercado não quer entregar nenhuma redução da rigidez no RGPS, que é onde de fato está a reforma”.

De acordo com o pesquisador, o recuo de Temer não significa que os servidores estaduais e municipais podem ficar aliviados. “A reforma para os servidores vai ter que ser feita em algum momento. Tem esse movimento de passar a bola para os governadores fazerem suas reformas individualmente”, apontou, acrescentando que o recuo de Temer significará, contudo, uma desaceleração das reformas dos regimes estaduais e municipais, que possuem peso no alegado déficit.

Apesar de a gestão insistir na ideia de que há rombo nas contas da Previdência e que o regime é insustentável, diversos economistas, especialistas em direito previdenciário, centrais sindicais e movimentos sociais sustentam que o discurso é falacioso. Eles argumentam que a Previdência compõe o tripé da Seguridade Social, ao lado da Saúde e da Assistência Social. De acordo com a Constituição, a seguridade será financiada com contribuições dos empregados, dos trabalhadores e do Estado. Mas, ao fazer o cálculo do “rombo”, o governo costuma isolar a Previdência da seguridade, levando em conta, na arrecadação, apenas a contribuição de empregadores e trabalhadores e, nas despesas, os gastos com todos os benefícios.