Saráuis exigem compromisso da ONU com a promessa de autodeterminação

A Declaração de Viena de 1993 afirma a indivisibilidade dos direitos humanos, inclusive à paz e à autodeterminação. Com base neste compromisso, os saráuis levantaram a sua bandeira no Conselho de Direitos Humanos da ONU em debate na segunda-feira (20) sobre a Declaração, denunciando a pendência da descolonização e a ocupação marroquina, assentada na violação dos direitos dos saráuis e no roubo dos seus recursos naturais e energéticos.

Por Moara Crivelente, de Genebra para o Portal Vermelho 

onu saara ocidental - Moara Crivelente

Organizações civis e a Frente Polisario – a representante do povo saráui – têm se dedicado a um trabalho árduo nos debates durante a 34ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, iniciada em 27 de fevereiro e que terminará nesta sexta-feira (24). Em reuniões e eventos paralelos ou em plenária, a contundência da sua denúncia e da demanda pela ação do mundo em dívida com o povo saráui reverbera pelas galerias povoadas, por vezes, por demasiados bailes diplomáticos sem o devido compromisso prático. “Falta vontade política”, denuncia a representante da Frente Polisario, Omeima Abdeslam.

O Saara Ocidental é palco de 133 anos de colonização por parte da Espanha e de 42 anos de ocupação militar por parte do Marrocos. Desde que foi proclamada, em 1976, a República Árabe Saráui Democrática (RASD) já foi reconhecida por mais de 80 países, mas ainda não tem participação como Estado na ONU. Dois terços do seu território seguem ocupados e grande parte do território liberado pela Frente Polisario, em resistência armada suspendida em 1991, está recheado de milhões de minas antipessoais e antitanques. Por isso, milhares de saráuis vivem em cinco campos de refugiados no deserto argelino, no exílio ou sob ocupação marroquina.

Com o acordo de cessar-fogo de 1991, foi criada a Missão das Nações Unidas para o Referendo no Saara Ocidental (Minurso). Até hoje, entretanto, por falta de compromisso do Marrocos e de vontade política de países que atuam como seus aliados – como a França ou a Espanha – o referendo de autodeterminação não se realizou. Os saráuis têm mobilizado apoio para pressionar a França em preparação para o debate no Conselho de Segurança, em abril, sobre o mandato da Minurso. A exigência é que a missão cumpra o seu papel e que tenha, enquanto isso, a extensão do seu mandato para a proteção dos direitos humanos do povo saráui, assim como a reativação do componente civil que faria o monitoramento da situação e a preparação do referendo – expulso pelo Marrocos em 2016.

Enquanto isso, os saráuis denunciam violações sistemáticas dos seus direitos no território ocupado, com a perseguição contra defensores dos direitos humanos e jornalistas, detenções, torturas e outros maus-tratos na repressão de qualquer manifestação. Uma campanha internacional tem focado no caso de 24 ativistas saráuis – 21 prisioneiros, dois liberados em 2013 e um em liberdade condicional – do acampamento de protesto de Gdeim Izik que durou um mês, até que foi brutalmente dispersado, em 2010.

Os julgamentos conduzidos em Corte militar marroquina foram denunciados como ilegais, com diversas falhas procedimentais, enquanto os ainda feito prisioneiros denunciavam maus-tratos e tortura; oito dos acusados receberam sentença de prisão perpétua e 12 receberam sentença de 20 a 30 anos de prisão. O processo então passou a um tribunal de segunda instância onde, de 13 a 15 de março, os acusados afirmaram, de acordo com os observadores internacionais Torn Sørfonn e Isabel Lourenço, que foram obrigados ou tiveram suas assinaturas forjadas em declarações cujo conteúdo desconheciam, e que o processo é uma forma de vingança por parte do Marrocos. O julgamento foi retomado na segunda-feira (20).

Contra o roubo de recursos e pela autodeterminação

Além das graves violações dos direitos humanos do povo saráui e da pendência da autodeterminação, o debate na ONU também aborda o roubo sistemático dos recursos naturais e energéticos do Saara Ocidental pelo Marrocos, que o exporta inclusive à Europa. Em 2016, entretanto, uma

  decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia definiu que os recursos saráuis não podem ser comercializados sem o consentimento saráui, pelo que mais um instrumento está à sua disposição da luta pelo fim da ocupação marroquina.

Entretanto, os saráuis denunciam a cumplicidade de países como a França e a negligência também cúmplice da Espanha, a potência colonial e administradora cuja retirada ambígua do território abriu as portas para a ocupação marroquina. Aliás, a venda dos recursos roubados dos saráuis só acontece porque existem compradores.

Além disso, Omeima Abdeslam denuncia que, diante da incapacidade da Minurso de acompanhar a situação dos direitos humanos saráuis, o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos enviou quatro missões técnicas de monitoramento ao território ocupado e aos acampamentos nos últimos anos, mas nenhuma visita resultou em um relatório ou informe que pudesse explicitar o observado.

“O que pedimos às organizações que têm status consultivo no Conselho Econômico e Social da ONU (Ecosoc) é que escrevam ao Alto Comissariado pedindo que liberem esses informes, pois as pessoas precisam saber o que acontece no Saara Ocidental,” diz a representante saráui. “A ONU tem esses informes e não os libera porque o Marrocos não está de acordo. Se o Marrocos não quer que se fale da sua parte, nós da Frente Polisario sim estamos interessados que se fale, se houver, das violações nos acampamentos de refugiados, porque queremos ajuda e precisamos que a nossa comissão de direitos humanos receba a assistência técnica.”

Os saráuis estão determinados a não deixar o mundo esquecer que ainda há uma colônia na África descolonizada. Por falta de vontade política, denunciam, o Marrocos segue ocupando o Saara Ocidental, forçando milhares de saráuis ao exílio, ao refúgio no deserto argelino ou a uma administração militar brutal que segue impune. Os saráuis demandam de seus interlocutores que, ao olharem para o Marrocos, não se enganem ou não compactuem com o silêncio imposto sobre a sua reivindicação, ou sobre a sua condição. Tampouco arredam o pé do seu direito à resistência anticolonial, ainda que há 25 anos tenham concordado em suspender a luta armada, na esperança acendida pela promessa de autodeterminação até hoje não cumprida.