Tem tuba nesse frevo?

Lá se vão quase 40 anos que Capiba, o mestre, sentenciou em versos: “o frevo bom viverá”. E era pra ser assim: Capiba falou, tá falado. Mas não. Ano após ano, não falta quem aposte que o ritmo que é pernambucano e ferve no Carnaval está moribundo, prestes mesmo a bater as sapatilhas e aposentar as sombrinhas.

Por Adriana Victor

Orquestra Popular Bomba do Hemetério - Divulgação

“Não há renovação”, “não toca no rádio”, “precisa ser valorizado”, “as partituras estão sumindo”, “os músicos não querem e não sabem mais tocar” – argumentos espalhados pelos quatro cantos. E cheios de fundamento, quase sempre. José Teles, pesquisador do frevo há mais de 15 anos, autor de três livros sobre o ritmo e crítico de música do Jornal do Commercio não alisa: “Tentar acabar estão tentando.” Ele lembra que há lei municipal que prevê concurso musical de frevo ¬ descumprida solenemente.

Tem outra, a 17.861/2013, que diz assim: “Fica instituído no âmbito do município, o ‘Momento do Frevo’ que será realizado com a inserção nos programas das rádios recifenses, diariamente, pelo menos uma vez em cada um dos turnos da manhã e da tarde…”. Pergunto: já ouviu o seu frevo no rádio hoje? E na semana que vem, ouvirás? “Até o povo que vai pra camarote, quando sai na rua e ouve um frevo começa a dançar”, afirma Teles, referindo¬-se ao hábito que vem sendo incorporado por parte dos pernambucanos: botar pulseira, vestir camisa igual como time de futebol e, lá de dentro, ver o Carnaval passar.

A tuba

Aí fui ler uma entrevista (na Revista Continente) em que um músico, André Freitas, responsável pela Escola de Música do Paço do Frevo fez uma série de ponderações (pertinentes) sobre os riscos que o ritmo corre, especialmente o frevo de rua. Ele conhece do assunto e sabe o que diz. Mas uma afirmação me encasquetou: a tuba estaria sumindo das formações das orquestras dos frevos de rua. E lá fui eu atrás da tuba. Primeiro, a verdade é que ela passou na minha frente. Topei com o jovem tubista, Pedro Oliveira, 20 anos. Aluno do curso de música da UFPE, ele assumiu-¬se como raridade: “De fato, conheço pouca gente que queira tocar tuba. É muito grande e pesado, imagine no meio do Carnaval.” Pedro, filho de músico, escolheu o seu instrumento quando viu uma troça passar em frente à sua casa, na Região Metropolitana do ¬ Recife. “A tuba está na origem do frevo, que são as orquestras militares.” E segue Pedro, solando Cabelo de Fogo, obra prima ¬ e viva! ¬ do maestro Nunes.

Outro mestre, professor, músico, maestro das cordas dedilhadas, admite: conhece poucos músicos que se aventurem a encarar uma tuba. “Teve quem exigisse de mim um carro pra carregar o instrumento. Aí é demais”, revela Marco César.

Com a palavra mais um mestre, o bamba Oséas, responsável por orquestras que despedaçam e recompõem corações, como é o caso da música indescritível que vem da Troça Carnavalesca Ceroula de Olinda e suas muitas viagens à Lua. Descobri¬-o no meio de uma apresentação do quase centenário Cariri de Olinda. “Maestro, tem tuba na sua orquestra?”. Preciso repetir a pergunta para que ele escute; o frevo se pronuncia no meio da conversa e só aos gritos nos entendemos. “Tem quatro”, responde Oséas.

Quem algum dia se espremeu numa multidão, ouvindo orquestra longe ou perto, sentindo o suor pingar pelo corpo, corpo junto de muitos corpos, a música a se espalhar pela alma fica, certamente, do lado de Capiba: “O frevo bom viverá”. Repitamos e exercitemos Capiba. Que vivam as tubas! E os trompetes, trombones, saxes, surdos… Ouçamos, dancemos. “Hoje quem faz o frevo é o povo na rua. O frevo original é o da rua. Se acaba não.” Pronto: falou e disse, maestro Oséas.