Pessimismo político ou paz entre nós e guerra aos senhores?

A cientista política Ellen Wood foi precisa ao dizer que a ideia de pós-modernidade é caracterizada pelo pessimismo político. Também chamada de mal estar da modernidade, pode ser entendida como uma espécie de “ressaca” diante de todos os limites que a modernidade apresenta, como a crise do socialismo real, a possibilidade do colapso nuclear ou ambiental do planeta, a emergência de fanatismos e nacionalismos, as guerras, a barbárie, a miséria humana.

Por Igor Correa Pereira*

pessimismo político no Brasil

Dessa forma, o que se entende por pós-modernidade, como bem disse Sérgio Paulo Rouanet, é muito mais um cansaço diante das promessas não realizadas pela modernidade do que propriamente uma alternativa real.

É uma ideologia, portanto, que decorrente desse cansaço, propaga a ruptura com as promessas não realizadas pelos ideais iluministas. Advoga, ao contrário dos socialistas, que é impossível identificar as raízes da opressão, colocando em cheque a possibilidade de se identificar o real por meio da ciência. Essa renúncia impossibilita qualquer tipo de oposição unificada ao sistema, porque nega que exista um sistema, pulverizando todas as lutas sociais em resistências dispersas. Essa doutrina de princípios desmobiliza qualquer política de emancipação baseada em alguma visão totalizante. Foi decretada a morte da política. Os partidos políticos e a ideia da existência de classes sociais e luta de classes passam a ser consideradas categorias ultrapassadas.

Embora levante temas relevantes, a pós-modernidade não é dona desses temas, como insinua.

Não é preciso acreditar na ruptura com a modernidade para reconhecer a importância de identidades diversas de classe, das lutas contra a opressão sexual e racial ou da complexidade das experiências humanas. Ou constatar que mudanças estruturais do capitalismo alteram a natureza da classe operária. O socialismo, como projeto contra-hegemônico, pode e deve apreender as divisões raciais e sexuais da classe trabalhadora. A dialética, compreendida como metodologia de interpretação da dinâmica do real, é capaz de interpretar a diversidade cultural e de linguagem num mundo dominado pelos símbolos e imagens massificadas pelos meios de informação.

A luta por uma nova sociedade não deslegitima, mas potencializa sujeitos de gênero e de etnia. Basta lembrar que o 08 de março, Dia Internacional da mulher, teve origem na luta das operárias russas que contribuíram para desencadear a Revolução Russa de 1917. Que um dos maiores ativistas contra o racismo, o Prêmio Nobel da Paz Nelson Mandela, era do Partido Comunista Sul-Africano, sendo amigo pessoal de Fidel Castro. E que a luta contra a homofobia, embora tardiamente, foi finalmente incorporada ao regime socialista cubano. São só alguns exemplos de que o socialismo já se dedica a promover o feminismo e a luta contra o racismo e a homofobia, reconhecendo que acabar com essas opressões é um processo longo e árduo que faz parte da emancipação humana.

O materialismo histórico dialético é uma concepção filosófica que nunca deslegitimou as dimensões culturais da humanidade. Pelo contrário, é capaz de questionar a essência da mercantilização da cultura, e portanto, efetivamente romper com esses grilhões.

A grande propaganda vendida pelo ideário pós-moderno consiste no fim da centralidade do trabalho, da luta de classes e do protagonismo dos partidos políticos revolucionários como vanguarda das lutas sociais. Essa doutrina tem um objetivo muito simples e nada novo: diante de um capitalismo cada vez mais globalizado e transnacionalizado, a hegemonia está garantida com a fragmentação das lutas sociais, pulverizadas em contestações que não dialogam ou até mesmo rivalizam entre si e são incapazes de apresentar um projeto político contra-hegemônico. A fórmula é genial. Todos podem contestar tudo. A qualquer momento. Mas como o fazem desarticuladamente, a ponto de entrarem em atrito umas com as outras, o sistema permanece intacto, e até se alimenta dessas contestações, alterando eventualmente sua aparência, sem contudo transformar sua essência.

Por isso, o grande desafio do socialismo no século 21 é se apresentar como alternativa a crise do capitalismo e tributária legítima de todas as vozes oprimidas pelo sistema capitalista e pela sociedade de classes. Para isso, precisa desmitificar a compreensão de que a luta de classes se opõe aos movimentos sociais, inclusive aqueles por alguns chamados de identitários. Na verdade, é somente um projeto político que transforme radicalmente a sociedade que será capaz de efetivamente superar essas opressões.

A fragmentação das lutas sociais é um sintoma desse mal estar da modernidade. Como superá-la? Como decretar paz entre nós e guerra aos senhores? A retomada da centralidade do trabalho e da luta de classes na ação política não contradiz, mas potencializa os conceitos e os sujeitos étnicos e de gênero, pois os desamarram das particularidades consumistas e individualistas incutidas pelos valores hegemônicos. É preciso construir a unidade da diversidade de lutas, sua síntese será um projeto de Nação soberano e democrático, que vá conduzindo ao objetivo estratégico do fim das classes que originam todo o tipo de exploração humana.

Bibliografia consultada

WOOD, Ellen Meiksins; FOSTER, John Bellamy (orgs.). Em defesa da História. Marxismo e pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
ROUANET, S.P. As razões do iluminismo. São Paulo: C. Letras, 1987, pp. 229-77.
KONRAD, D. Problematizando uma sedução discursiva antimarxista: pós-estruturalismo e atualidade do marxismo. In. LIMA, João Vicente R. B. Costa (org.). Marx: atualidade e controvérsia. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2010.
PEIXOTO, M. G. A condição política na pós-modernidade: a questão da democracia. São Paulo. EDUC 1998.
COSTA, E. Uma crítica a ideologia pós modernista. Disponível em http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/uma-critica-a-ideologia-pos-modernista