“Volta, Belchior”, os foliões não estão pedindo mais nada

O amor pelo rapaz latino-americano não se limita aos fones, às coleções de disco e às festas de música brasileira. Este ano ele vai além e ganha forma de bloco, na rua, claro!

Bloco Volta Belchior - Divulgação

Em Belo Horizonte os fãs de Belchior levantam o estandarte pela volta do cantor de clássicos como “Velha Roupa Colorida”, “A Palo Seco” e “Sujeito de Sorte”. E estas são só algumas das músicas que tocam no bloco adaptadas para ritmos como afoxé, reggae e frevo.

O organizador do bloco é, por sinal, ex-jornalista do Portal Vermelho, e conta, em entrevista a seguir, como surgiu a ideia desta festa que ele colocou em prática com a ajuda do produtor cultural Pedro Martins.

Leia a entrevista na íntegra:

Como surgiu a ideia do Volta, Belchior? É o primeiro ano do bloco? Qual a expectativa de público?

O bloco surgiu como uma forma de homenagear o artista cearense. Não só a sua produção musical, mas também seu comportamento. Suas músicas se destacam por letras que debatem profundamente a nossa existência. Belchior levou a filosofia e o materialismo dialético para a Música Popular Brasileira, entendendo a arte como instrumento de conscientização e transformação social, como demonstra a letra da canção Alucinação “A minha alucinação, é suportar o dia-a-dia, e meu delírio é a experiência com coisas reais”. Suas atitudes também sempre se diferenciaram de outros artistas que aderiram ao sistema, pois ele sempre atuou com integridade, nunca aceitando fazer concessões à indústria cultural. O seu rompimento com tudo e seu refúgio é mais uma prova disso. Divulgaram equivocadamente que ele “fugira de suas dívidas”, o que é uma falácia, pois ele recebeu proposta de uma montadora de automóveis para fazer um comercial com cachê milionário, o que rechaçou com veemência. Produtores ofereceram pagar todas suas pendências financeiras em troca da sua volta. Mas ele permanece no seu isolamento longe dos holofotes. Essa firmeza nos princípios acabou aumentando a lenda que já permeava sua trajetória. O nosso “Volta Belchior” é apenas retórico, pois respeitamos e valorizamos e seu “direito de desaparecer”.

É o primeiro carnaval em que o Volta Belchior irá desfilar. Já realizamos alguns ensaios e cada vez junto mais gente. A expectativa de público no desfile de carnaval é de cinco a dez mil foliões. Mas como nosso carnaval tem surpreendido sempre, pode ser que supere essa expectativa.

Onde e quando o bloco vai desfilar? Vai ter trio e banda? Com quantos ritmistas/instrumentistas? Quem vai ser o vocalista do bloco?

Já temos realizado ensaios que têm atraído milhares de fãs. No carnaval, nosso desfile será neste sábado (25)  percorrendo as ruas do tradicional e boêmio bairro de Santa Tereza. Apesar que com o sucesso já alcançado, não ficaremos só no desfile. O bloco foi contratado para tocar na abertura do carnaval que a prefeitura está realizando na rua Sapucai, no domingo. Teremos um trio elétrico e uma bateria que já conta com mais de cem componentes devidamente ensaiados, que é conduzida pelos mestres Eros Fresiq e Manjado. Temos também uma banda com 6 integrantes, que tem à frente o vocalista Sylvio Rosa, músico e compositor que criou arranjos para as músicas do Belchior em ritmos de samba, samba reggae, maracatu, marchinha entre outros.

O que vocês acham do sumiço do Belchior da mídia? Por quê?

Achamos espetacular. Numa época que todos estão super expostos, com redes sociais e selfies banais, um artista super respeitado, como o Belchior, decide se isolar, fugir do mainstream e viver a vida dele e um exemplo. A vontade sincera nossa era ir junto com ele. Alguns até brincam que o bloco deveria chamar "me leva, Belchior".

Penso que vale uma comparação que me ocorreu. Muito se especula sobre quem seria o Bob Dylan brasileiro, se Odair José, Chico Buarque, Caetano Veloso, enfim, um desses poetas trovadores que tão bem cantam as agruras da nossa alma brasileira. Eu voto em Belchior e destaco que o sumiço do bigodudo do Ceará remete ao sumiço de Dylan, que em 1966, após um acidente de moto e toda controvérsia da turnê com guitarra elétrica se isolou por oito anos, fugindo das turnês e recusando, inclusive, um convite para tocar em Woodstock.

Isso nos dá um alento, pois quando Dylan voltou conseguiu ser ainda melhor (sim, isso é possível) e nos brindou com discos lindos, como "Blood on the tracks", "Desire" e "Hard Rain". Quem sabe Belchior, que, aliás, cita Dylan na canção "Lira dos Vinte Anos" não está tramando uma volta triunfal com um manancial de canções geniais. Por acreditarmos nisso é que clamamos: "Volta, Belchior".

Vocês acham que periga do Belchior aparecer no bloco? Se isso acontecesse, como vocês reagiriam e o que vocês diriam para ele?

Em se tratando de Belchior, tudo pode acontecer. O receberíamos com amor e afeto. Mas gostamos demais do nosso ídolo para fazer uma crueldade com ele. Quando Belchior foi embora o Brasil era outro. Hoje vivemos na fase das trevas e do obscurantismo no nosso país. Acho que eu diria uma única frase ao cantor: “Me leva Belchior”.

Quais músicas o bloco vai tocar?

Já estão bem ensaiadas as seguintes músicas do Belchior nos ritmos:
1. Comentários a respeito de John – afoxé.
2. Medo de avião – reggae
3. Apenas um rapaz latino americano – reggae
4. Paralelas – marcha-frevo
5. Divina comédia humana – "timbalada"
6. Como nossos pais – baião e frevo
7. Tudo outra vez – "timbalada "
8. Velha roupa colorida – marcha/frevo e samba
9. A palo seco – marcha-frevo
10. Sujeito de sorte – marcha-frevo.

O que você acha dessa volta do Carnaval de Rua em BH?

A volta do carnaval de rua de BH é o maior fenômeno artístico mineiro desde o Clube da Esquina. E muito mais popular. Foram cadastrados na prefeitura quase 400 blocos carnavalescos. Em toda praça que você passa tem um bloco ensaiando com milhares de pessoas que estão aprendendo a tocar algum tipo de instrumento. E o mais bonito é que esse fenômeno surgiu à margem do poder público, alias, em oposição ao poder constituído, pois os primeiros blocos que surgiram nas ruas levavam bandeiras políticas em oposição ao prefeito e ao governador na época, que representavam um pensamento de direita. Atualmente o carnaval se disseminou e envolveu toda a cidade. Criamos o melhor carnaval do país, o mais popular.