Américo Souza: E depois que o bloco passar?

"O Carnaval e suas preliminares têm tido, ao longo dos últimos anos, a feliz capacidade de abrir as portas desse claustro em que, por comodismo, medo, elitismo e outras mazelas, nos encarceramos. Praças e ruas usadas apenas como lugar de passagem, vetores de nosso deslocamento diário, ganham vida e nos permitem viver melhor a Cidade, enxergá-la de verdade, ao invés de apenas vê-la de relance”.

Por *Américo Souza

Carnaval Fortaleza

Chegou, enfim, o Carnaval, o ápice, mas também o momento final, do ciclo momino — iniciado há quatro semanas pelo Pré-Carnaval. Quando o dia raiar na quarta-feira ingrata, terão sido 30 dias de música, dança, alegria, alguns excessos e, o mais importante, de uma intensa e festiva ocupação das ruas e equipamentos públicos da Cidade. Mais afeitos a shoppings, casas de show, boates e outros congêneres, vivemos 11 meses do ano como agorafóbicos crônicos. Nem mesmo na praia nos sentimos confortáveis com o espaço aberto, visto que a inundamos com paredes, muros, telhados e tudo o mais que limite ao mínimo o nosso contato com a areia, o vento e o mar.

O Carnaval e suas preliminares têm tido, ao longo dos últimos anos, a feliz capacidade de abrir as portas desse claustro em que, por comodismo, medo, elitismo e outras mazelas, nos encarceramos. Praças e ruas usadas apenas como lugar de passagem, vetores de nosso deslocamento diário, ganham vida e nos permitem viver melhor a Cidade, enxergá-la de verdade, ao invés de apenas vê-la de relance. Tendo ou não uma carne de Carnaval é preciso reconhecer o quanto o fortalecimento da festa de momo tem feito bem a Fortaleza, ensinando que, sim, é possível balançar o chão praça, fazer a rua pulsar num ritmo que não o da indiferença, experimentar a riqueza que só a experiência coletiva, o colorido da massa, pode oferecer.

Um risco apenas vejo nisso tudo: o de, ao fim da passagem do último bloco, ao derradeiro toque de tambor, ao finalizar o último passo de dança, toda essa abertura para o espaço público se dissipe e retomemos o nosso confinamento. Além do fim do Carnaval, a Quarta-feira de Cinzas marca o início da quaresma, período que os cristãos devem dedicar à reflexão. Oxalá possamos usar esse tempo para refletir, nós, cidadãos comuns, e também os agentes do poder público, sobre estratégias para uma ocupação continuada do espaço público, estratégias que favoreçam o direito à cidade e nos permitam participar plenamente do lugar em que vivemos.

*Américo Souza é historiador e professor da Unilab

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