Freire sumirá da história, Raduan permanece, diz escritora portuguesa

Em artigo publicado nesta segunda-feira (20) no jornal português Público, a jornalista e escritora Alexandra Lucas Coelho comentou a polêmica em que o ministro da Cultura brasileiro, Roberto Freire (PPS-SP) se envolveu ao entregar o Prêmio Camões na última sexta (17) ao escritor Raduan Nassar. Para ela, Freire "sumirá da história, mas a obra do premiado ficará".

Raduan Nassar - Mario Miranda Filho

No evento, o autor de “Lavoura Arcaica” fez duras críticas ao golpe no Brasil e ao governo de Michel Temer, sendo rebatido por Freire, que brigou com a plateia presente e chegou a sugerir que Nassar devolvesse o prêmio, concedido por Lisboa e Brasília.

“Claro que o ministro sumirá da história e a obra do premiado fica, enquanto houver alguma forma de livro no planeta. Para os livros de Raduan Nassar é indiferente o que passou na sexta. Mas a nós, contemporâneos, importa, sim, que um membro do poder político abuse do cargo, confundindo, distorcendo e agredindo um criador como Raduan, protagonista único da cerimônia, que lhe devia merecer, no mínimo, silêncio. Não cabe ao ministro aprovar ou reprovar o discurso do premiado, não lhe cabe responder”, diz Alexandra.

“A cerimônia de entrega do Prêmio Camões, o maior da língua portuguesa, sexta-feira passada, em São Paulo, foi um retrato do que está em curso no Brasil, mas não só. Revelou a que ponto um ministro não distingue Estado e governo, confundindo-se a si mesmo com um prêmio. É como querer separar cultura e política leva a uma política sem cultura”, diz.

A escritora chama Freire de “megalômano” e diz que, para ele, “quem critica este governo [o de Michel Temer] dá mau exemplo” e que o prêmio é dado pelos governantes. “Em suma, não é de espantar que o megalómano ministro venha a dizer: o prêmio, fui eu”, diz.

Alexandra lembra que Roberto Freire é a “segunda tentativa de ministro da Cultura” de Temer – o primeiro, Marcelo Calero, pediu demissão após, segundo ele, se recusar a interferir no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) a pedido do então ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) para liberar as obras de um edifício onde o correligionário de Temer tem um apartamento, em Salvador. “Seja por isso, seja porque Michel Temer & Cia receavam o que Raduan pudesse dizer, a entrega do Prêmio Camões só aconteceu agora”, diz a escritora.