Blocos negros movimentam o carnaval de rua de São Paulo

O carnaval é uma das principais festas dentro do calendário brasileiro. O feriado, de origem cristã, sempre foi muito celebrado por grupos da comunidade negra. Em São Paulo e outras regiões do país, os cordões e as escolas de samba se tornaram em espaços de sociabilidade negra, na medida em que pretas e pretos eram proibidos de entrar em alguns clubes sociais.

Bloco Ilú Obá De Min - Jornal GGN e Fotos Públicas

Fernando Alabê, um dos organizadores do bloco Ilu Inã, explica que o carnaval tem sentido especial para parte dos afro-brasileiros. “Celebrar é típico das comunidades negras desde sempre. Do nascimento, quando se tocavam tambores a porta dos aposentos de parto, aos ritos fúnebres. Cada momento de celebração é um ato de resistência”.

No fim do século 20, o carnaval de rua na cidade diminuiu e a festa ficou mais concentrada no sambódromo do Anhembi. Não à toa, muitos paulistanos preferiam viajar durante a época, para celebrar o feriado em regiões consideradas "mais animadas". A volta dos blocos de rua para o carnaval de São Paulo deu fôlego à festa na cidade. E a comemoração, ao que parece, só vem crescendo. Se em 2014, 200 cordões desfilaram pelo município, em 2017, 391 pretendem colorir as ruas da metrópole, de acordo com dados da Prefeitura.

Conheça alguns dos blocos

No dia 20 de Fevereiro, segunda-feira, o bloco Ilu Inã faz a primeira saída de sua história, às 18h, em frente ao Aparelha Luzia, na Rua Apa 78. O cordão, que significa “Tambor de Fogo”, apresenta três músicas autorais em homenagem a Exu, orixá patrono do grupo. Os organizadores também prometem agitar os foliões com algumas das letras mais tradicionais das escolas de samba de São Paulo e do Rio de Janeiro, além de homenagear os blocos afro da Bahia.

A abertura do carnaval, no dia 24 de Fevereiro, sexta-feira, fica com o tradicional bloco Ilú Obá De Min, que significa “mãos femininas que tocam os tambores para o rei Xangô”. Cerca de 3 mil pessoas devem comparecer ao cordão, com concentração marcada para às 19h na Praça da República.

O bloco agita o carnaval na cidade há 12 anos e tem sua inspiração dividida entre os ritmos do candomblé, afoxé, jongo, maracatu, boi, ciranda, entre outros. A saída do cortejo está marcada para às 20h.

Manifestações culturais como essa, de recordação da ancestralidade negra e transmissão de conhecimento, são fundamentais para Fernando Alabê. “Nossas matrizes devem ser levadas ao conhecimento de novas gerações, de pessoas que devido às suas dinâmicas de vida se afastaram delas. Precisamos reconhecer o valor de saber o que diz um tambor ao corpo”.

Valéria Alves, participante do bloco Ilú Inã e responsável pela pesquisa “Os tambores da ‘yabás’: raça, sexualidade, gênero e cultura no Bloco Ilú Obá De Min”, acredita que os blocos preservam a história da comunidade negra e recorda que o “carnaval negro” teve origem em festas como as Congadas, o Batuque de Umbigada, Jongo, celebrações praticadas em cidades no interior do estado.

“Essas manifestações são de fundamental importância para o carnaval de São Paulo. As músicas, as danças e outros elementos utilizados são fruto da resistência cultural da população afro-brasileira que vivia no interior do estado, além de servirem como meio de comunicação e de articulações em busca de uma maior liberdade cultural”, explica Valéria.

No dia seguinte, sábado, é a vez da Batekoo comandar a festa. Cerca de 7 mil pessoas são esperadas para o evento, que tem início programado para as 16h, no Largo do Paissandú, próximo à Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, símbolo histórico de resistência da comunidade negra.

A Batekoo é uma festa que acontece todo mês na cidade de São Paulo e ocorre em outros estados do país, como Rio de Janeiro, Bahia e Espírito Santo. A organização estimula o fortalecimento da identidade negra como uma ferramenta de combate ao racismo, machismo e LGBTfobia.

Valéria pensa que blocos com essa proposta, de fortalecimento da identidade negra, são muito importantes para a comunidade negra. “Teremos cerca de 385 blocos de carnaval, mas, são pouquíssimos que estão engajados na luta anti-racista, ou que trazem a narrativa negra em primeiro plano, que têm ao, menos, 20% de integrantes negrxs em suas composições”.

Os blocos de periferia e a descentralização da festa

Em 2017, a Sé é a região a receber o maior número de blocos, com 119 grupos de carnaval de rua. Na sequência, vem os bairros de Pinheiros (89), Lapa (31), Vila Mariana (24) e Santana (17). Alguns blocos se apresentam mais de uma vez.

Engana-se, porém, quem pensa que a festa está restrita aos bairros centrais de São Paulo. As periferias da cidade, como sempre, também estão articuladas.

Ronaldo Matos, integrante do coletivo de comunicação Do Lado de Cá, diz que o carnaval nas periferias tem a possibilidade de apresentar marchinhas de autores do bairro, fortalecer os territórios do ponto de vista econômico e ainda estreitar laços. “Durante o carnaval a periferia respira com mais força a sua própria produção cultural. Nos blocos é possível vivenciar o encontro dos artistas da comunidade com os moradores. Essa experiência reforça a nossa identidade e ancestralidade, fazendo do carnaval não só um momento de festa, mas também de empoderamento da população negra e periférica”.

Um dos exemplos é o Bloco do Beco. Com saída marcada para as 14h do dia 25 de Fevereiro, sábado, na Rua Bento Barroso Pereira, no Jardim São Luís, zona sul de São Paulo, o cordão promove mais do que festa, propõe conhecimento para a região. O cordão vai oferecer oficinas de violão, ballet, capoeira, judô, maracatu, percussão, samba rock, literatura e artes plásticas. Isso tudo junto de muita festa e diversão.

Entre os sucessos do Bloco do Beco está a marchinha produzida pelo poeta Augusto Cerqueira, do Sarau Clamarte, com a seguinte letra: ‘‘Para para para para, assim vai acabar nossa amizade. Te chamo pra tomar uma cerveja e você só ai no zap zap”.

Outra atração, conta Ronaldo, são os tambores africanos do bloco Edi Santo, responsável por atrair muitas pessoas no entorno da Estrada do M´Boi Mirim, fazendo o público cantar e dançar sua história e ancestralidade. “Isso você só se vê e se senti na periferia. Não é a mesma energia das ações que acontecem no centro da cidade. Aqui tudo parece e é mais intenso e significativo para o público presente”.

Resistência Cultural

Valéria pensa que o carnaval de São Paulo se embranqueceu ao longo dos anos e que houve um afastamento da população negra desta celebração, apesar da resistência dos grupos carnavalescos. “Tanto os sambódromos quanto os blocos de São Paulo se tornaram elitizados. Salvos os poucos blocos das periferias, a participação da população negra paulistana é mínima. Os mecanismos criados para o afastamento desse grupo são diversos e perversos, por isso, a importância de termos blocos como o Ilú Inã”.

Fernando Alabê acredita que com a maior procura da mídia pela festa, a participação no carnaval se encareceu e a vulnerável condição econômica da população preta e periférica fez as escolas de samba saírem com cada vez mais passistas brancos e cada vez menos negros. “A minha família, que frequentava todos os domingos de ensaio a Bela Vista, hoje vai apenas uma vez ou duas por ano. Isso acontece me todas as agremiações”.

Essa situação ainda é incipiente, ou não existe, nos muitos blocos das periferias de São Paulo, de acordo com Ronaldo. “Esse contexto sociocultural não se aplica aos blocos de rua que visam abordar questões políticas, sociais, culturais, religiosas e que não tem espaço no grande show carnavalesco da mídia brasileira”.

Serviço:

Bloco Ilu Inã

Dia 20 de fevereiro, segunda-feira, às 18h

Local: em frente ao Aparelha Luzia, na Rua Apa 78.

Bloco Ilú Obá De Min

Dia 24 de fevereiro, sexta-feira, às 19h

Local: Praça da República

Bloco do Beco

Dia 25 de fevereiro, sábado, às 14h

Local: Rua Bento Barroso Pereira, no Jardim São Luís, zona sul de São Paulo

Batekoo

Dia 25 de fevereiro, sábado, às 16h

Local: Largo do Paissandú, próximo à Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos