Alexandre Lucas: Uma violência chamada caridade

“É preciso elevar a autoestima. Acreditar na capacidade intelectual, afetiva e mobilizadora do outro, fomentar um banquete de saberes e fazeres que ampliem e emancipem a visão social de mundo numa perspectiva da classe trabalhadora. Precisamos acreditar em nós mesmos e criar uma estética que combata a perpetuação da dominação e faça florescer o desejo de acreditar na transformação social”.

Por *Alexandre Lucas

cesta básica - opinião

Existe uma violência imensurável na subjetividade que afeta a autoestima das camadas populares, em especial, as que vivem em situação de vulnerabilidade social. Historicamente é retirado, negado e negligenciado não só o acesso às políticas públicas e à democratização da produção material e imaterial da humanidade, mas o direito aos sonhos.

A retirada do direito aos sonhos das camadas populares repercute diretamente nas suas formas de organização e compreensão política. As elites econômicas são predominantemente desarticuladoras neste sentido, impulsionadoras da descrença e têm forte capacidade de aliciamento.

É comum se deparar nas periferias com a política da caridade e do favor. É a distribuição da cesta básica, o presente no Dia das Crianças, as promessas e ilicitudes do período eleitoral, dentre outras aberrações que pousam como necessárias. Essas práticas criam mecanismos de acomodação e despolitização e fazem com que o outro não se reconheça capaz de produzir, de pensar e de ter autonomia, criando desta forma um círculo dependente.

A caridade violenta a dignidade coletiva e mascara a raiz dos problemas sociais que exclui, explora e oprime o nosso povo. A caridade é ainda uma narrativa segmentada, micro e desestimulante para a luta social, é o pão de agora que continuará faltando amanhã.

A negação dos direitos e, por conseguinte, dos sonhos, fortalece uma compreensão determinista de sociedade, a qual encobre a luta de classes e a necessidade de tomada de poder pela classe oprimida e explorada.

Concomitante à luta pela democratização da sociedade na sua completude, faz-se necessário interligar a luta pelo direito aos sonhos.

É preciso elevar a autoestima. Acreditar na capacidade intelectual, afetiva e mobilizadora do outro, fomentar um banquete de saberes e fazeres que ampliem e emancipem a visão social de mundo numa perspectiva da classe trabalhadora. Precisamos acreditar em nós mesmos e criar uma estética que combata a perpetuação da dominação e faça florescer o desejo de acreditar na transformação social.

A nossa educação no seio dos movimentos sociais e nas comunidades devem ter a clareza pedagógica de possibilitar que os dirigidos de hoje compreendam a vitalidade de aprenderem a serem dirigentes cotidianamente, como forma de superar as mazelas sociais e os atrofiamentos da esperança.

* Alexandre Lucas é pedagogo, artista-educador e integrante do Coletivo Camaradas.


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