Refugiados vão a pé dos EUA para o Canadá

Autoridades canadenses registram onda de migrantes, sobretudo africanos, atravessando a fronteira vindos dos EUA, onde dizem não se sentirem mais seguros. Frio torna jornada perigosa.

Refugiados arriscam sua saúde ao fugir dos EUA para o Canadá

Dezenas de famílias, mulheres e crianças fazem a viagem em meio ao frio intenso e com a neve na cintura. Sem poder continuar a jornada, homens jovens perdem dedos dos pés e das mãos por congelamento. Eles pertencem a um número crescente de refugiados que atravessam ilegalmente a pé a fronteira entre o Canadá e os EUA, país onde muitos dizem não se sentir mais seguros com Donald Trump como presidente.

"A preocupação vem realmente do fato de que pessoas estão andando num clima muito frio de inverno, em maio a neve profunda, e arriscando realmente a sua saúde e segurança", afirma Rita Chahal, diretora-executiva do Conselho Interconfessional de Imigração de Manitoba, ONG que presta assistência a imigrantes na província canadense.

Segundo Chahal, 300 requerentes de refúgio que chegaram ao Canadá sem permissão legal entraram com pedido de proteção em Manitoba. No mesmo período em anos anteriores, afirma, se esse número chegasse a 70 já era bastante alto.

Longa fronteira

Muitos dos que fazem a jornada rumo ao Canadá temem ser deportados dos EUA de volta para os seus países de origem ou sentem que seus processos não serão avaliados de forma justa. "Outros estão preocupados com o clima político e social e como eles poderão ser tratados nos EUA", diz Chahal.

A maioria dos requerentes de refúgio entra em Manitoba próximo à pequena cidade de Emerson, localizada cerca de 110 quilômetros ao sul de Winnipeg, capital e maior cidade da província. Os estados americanos de Minnesota e Dakota do Norte se encontram do outro lado da fronteira de Emerson, que tem uma população de 700 habitantes.

De acordo com a Guarda Montada do Canadá (RCMP), 22 refugiados atravessaram a fronteira do país no primeiro fim de semana de fevereiro, enquanto 21 fizeram esse percurso ao longo da semana passada.

Requerentes de refúgio também estão atravessando em outros pontos da porosa fronteira de 9 mil quilômetros de extensão entre os EUA e o Canadá: a polícia interceptou 823 refugiados na província de Québec entre 1° de abril e 30 de novembro do ano passado, de acordo com a Agência dos Serviços de Fronteira do Canadá (CBSA).

Perseguidos

A maioria dos requerentes de asilo que chegam a Manitoba é composta por somalis, seguidos de cidadãos da Eritreia e Djibuti, segundo dados da agência de fronteiras. Em Québec, a maioria é proveniente da Eritreia, Sudão e Síria.

A onda de pessoas cruzando a fronteira nas proximidades da cidade levou Emerson a organizar um encontro de emergência com as autoridades na semana passada. "A segurança foi a maior preocupação", afirma Greg Janzen, um alto funcionário municipal, após a reunião. "Agora conhecemos o protocolo se tivermos uma grande afluxo de pessoas (…) O governo tem sido muito solidário em toda essa questão."

Maggie Yeboah é assistente social e presidente da União Ganesa de Manitoba. Ela diz que cerca de 30 refugiados ganeses atravessaram a fronteira dos EUA para a província canadense nos últimos meses. Segundo ela, a maioria dos homens não pensava em vir para o Canadá, mas muitos fugiam da perseguição e violência relacionada à sua orientação sexual em Gana, onde a homossexualidade masculina é proibida por lei.

"Eles estão sendo perseguidos ou sendo atacados ao voltarem para Gana devido à sua orientação sexual", conta Yeboah à DW. A assistente social diz ainda que muitos dos homens foram aconselhados a pegar um ônibus até Minneapolis, em Minnesota, e de lá um táxi para a fronteira, onde foram orientados a entrar a pé em território canadense.

Jornada perigosa

Janet Dench, diretora-executiva do Conselho Canadense de Refugiados (CCR), aponta que requerentes de refúgio são obrigados a tomar rotas perigosas para o Canadá, devido a um acordo que entrou em vigor em 2004, conhecido como Acordo de País-Terceiro Seguro Canadá-EUA (STCA).

O acordo prevê que a maioria dos refugiados que requerem proteção no Canadá num ponto de fronteira será imediatamente enviada para os EUA, que Ottawa considera um país seguro. Mas o acordo não se aplica a quem esteja dentro do país, e a Comissão de Imigração e Refúgio do Canadá (IRB) deverá, provavelmente, avaliar o pedido de refúgio deles.

"O acordo afasta as pessoas de um requerimento de forma segura e ordenada nos pontos de fronteira", diz Dench.

Grupos de defesa dos direitos humanos, incluindo a Anistia Internacional do Canadá e a Associação Canadense de Liberdades Civis, vêm pedindo há muito tempo que o Canadá rescinda o acordo. Eles afirmam que isso é especialmente crucial, especialmente à luz da proibição de entrada para imigrantes e refugiados de sete países majoritariamente muçulmanos por parte de Trump.

A ordem executiva foi contestada como inconstitucional e, na semana passada, um tribunal federal manteve a suspensão de sua implementação. Mas as políticas do governo Trump em relação aos refugiados em geral suscitaram preocupações se os EUA ainda cumprem os requisitos para ser considerado um país seguro na legislação canadense.

"No nosso ponto de vista, o Canadá deveria retirar-se do acordo. Nunca fomos a favor do pacto, e as travessias irregulares são uma das consequências muito óbvias e conhecidas", diz Dench.

EUA, país seguro?

O diretor-executivo da Anistia Internacional no Canadá, Alex Neve, concorda: "Falando generosamente, é uma ficção continuar acreditando que os EUA neste momento são um país seguro para refugiados."

No entanto, o ministro canadense da Imigração, Ahmad Hussen, declarou recentemente que o STCA não seria revogado. A ordem executiva de Trump trata da realocação de refugiados e não afeta o programa de asilo americano, enquanto a Lei de Imigração e Proteção a Refugiados do Canadá envolve uma revisão contínua sobre se ainda são cumpridas as condições que levaram um país a ser considerado seguro, afirmou uma porta-voz ministerial.

"O STCA permanece uma importante ferramenta para que o Canadá e os EUA possam trabalhar em conjunto no tratamento correto dos pedidos de asilo feitos em nossos países", escreve a porta-voz Nancy Caron em e-mail à DW. "Continuamos a monitorar a situação."

A assistente social Chahal diz que ainda é difícil especular, mas a sensação geral é de que o número de requerentes de asilo atravessando ilegalmente a fronteira canadense deverá continuar a crescer, especialmente com o aumento das temperaturas.