Belluzzo: Falácias econômicas da turma da caixinha (de Pandora)

As decisões microeconômicas “racionais” prestam homenagem aos sofismas que infestam os modelos macroeconômicos.

Por Luiz Gonzaga Belluzzo*

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Entre 2012 e 2014, a economia brasileira sentiu os efeitos da desaceleração do ciclo expansivo que a beneficiou desde 2004. Nesse período, o governo da presidenta Dilma cuidou de conceder isenções fiscais para a turma do Pato, retardou o programa de concessões e segurou o realinhamento de preços administrados.

No crepúsculo de 2014, os formadores da opinião midiático-financeira instilaram a pré-verdade econômica nos ares de Pindorama. O consenso da “turma da caixinha” propalava o desastre: a economia cresceu apenas 0,5% e apresentou um déficit primário de 0,6% do PIB em 2014.

A vitória de Dilma nas eleições aumentou a gritaria: desastre!, desastre! Tanto clamaram pelo desastre que a política econômica da turma da caixinha foi executada com esmero pelo ministro Levy. Dois anos depois, os incautos e crédulos descobriram que a caixinha da turma era a de Pandora.

Aberta a caixinha, os monstros ficaram à solta: o choque de tarifas voou lado a lado com o choque de taxa de juros, de mãos dadas com a forte desvalorização cambial. Para não deixar barato, os preços desaforados convidaram os cortes em investimentos públicos para mais um baile da Ilha Fiscal.

A interação entre o choque de tarifas, a subida da taxa de juros, a desvalorização do real e o corte dos investimentos públicos determinaram a elevação da inflação em simultâneo à contração do nível de atividade, e daí à restrição do crédito. O encolhimento do circuito de formação da renda levou, inexoravelmente, à derrocada da arrecadação pública.

As fábricas se encharcam de capacidade ociosa. Endividadas em reais e em moeda estrangeira, as empresas são constrangidas a ajustar seus balanços diante das perspectivas de queda da demanda e do salto do serviço da dívida.

Para cada uma delas é racional dispensar trabalhadores, funcionários, assim como, diante da sobra de capacidade, procrastinar investimentos que geram demanda e empregos em outras empresas. Para cada banco individualmente era recomendável subir o custo do crédito e racionar a oferta de novos empréstimos.

Os consumidores, bem, os consumidores reduzem os gastos. Uns estão desempregados e outros com medo do desemprego. Assim, o comércio capota, não vende e reduz as encomendas aos fornecedores que acumulam estoques e cortam ainda mais a produção.

As demissões disparam. A arrecadação míngua, sugada pelo redemoinho da atividade econômica em declínio. Isso, enquanto a dívida pública cresce sob o impacto dos juros reais e engorda ainda mais os cabedais do rentismo caboclo.

O mergulho depressivo iniciado entre o crepúsculo de 2014 e a aurora de 2015 pode ser apresentado como um exemplo do fenômeno que as teorias da complexidade chamam de “realimentação positiva” ou, no popular, “quanto mais cai, mais afunda”.

As decisões “racionais” do ponto de vista microeconômico, prestam homenagem às falácias de composição que infestam os modelos macroeconômicos: o que parece bom para o “agente individual” – seja ele empresa, banco ou consumidor – é danoso para o conjunto da economia.

Confrontando o trimestre de agosto a outubro de 2016 com igual trimestre de 2015, os dados do IBGE apontam uma elevação de 3,0 milhões de pessoas desocupadas na força de trabalho, um acréscimo de 32,7%. A massa de rendimento real habitualmente recebida pelas pessoas ocupadas em todos os trabalhos mostrou redução de 3,2%.

De janeiro a setembro de 2016, a quantidade de pedidos de recuperação judicial cresceu 62%, em comparação com o mesmo período de 2015, fruto do longo castigo imposto aos fluxos de caixa das empresas, pela queda na demanda e restrições ao crédito. Nos primeiros nove meses do ano, foram feitos 1.405 pedidos de falência no País. O número representa um aumento de 6% em relação ao mesmo período de 2015.

A retração de 0,8% do PIB no terceiro trimestre de 2016 foi a sétima de uma sequência iniciada no primeiro trimestre de 2015.

A mídia brasileira espargiu a convicção da rápida recaptura dos monstros liberados pela turma da caixinha. Até agora, nada. Um amigo empresário encalacrado em sucessivas negociações com os bancos sugeriu, entre rilhar de dentes, que não devemos desperdiçar a mitologia grega com episódios funestos. Disparou: essa turma é do Zé do Caixão.

*Luiz Gonzaga Belluzzo é economista e professor