Ministério Público argentino reclama do Brasil nos Panamá Papers

O neoliberal presidente argentino, Mauricio Macri, passou por Brasília na terça-feira (7) e deve ter partido feliz. Roubou a cena quando ao lado de Michel Temer, aplicou uma gozação futebolística no chanceler José Serra e não foi incomodado pelas conexões brasileiras dos Panama Papers, alvo de um processo contra ele em Buenos Aires por lavagem de dinheiro e ocultação de bens.

Por André Barrocal

Maurício Macri e Michel Temer - Beto Barata / PR

No início do mês, o promotor responsável pelas investigações, Federico Delgado, mandou ao juiz do caso, Sebastián Casanello, um documento a reclamar da falta de ajuda do Brasil. As manifestações brasileiras, diz o texto, “contêm respostas formais, mas não se enviou documentação relevante. Por exemplo, movimentações bancárias”.

A papelada sugere ao juiz que cobre de dois órgãos argentinos, a chancelaria e a Unidade de Informação Financeira, uma espécie de Coaf local, mais empenho na obtenção de informações requeridas ao Brasil e a outros países.

Em maio de 2016, Casanello assinou um pedido de informações ao Brasil, até aqui em vão. O País limitou-se a prestar dados sem utilidade, uma proteção ao presidente vizinho.

O problema é a intermediação entre os dois países ser feita pelos governos, não pela Justiça ou o Ministério Público (MP). Não é de se esperar que órgãos estatais argentinos se esforcem por obter dados prejudiciais ao chefe da nação, escreveu Delgado. Nem que o Brasil tope contribuir para constranger o amigo porteño de Temer.

O canal do Brasil na relação com a Argentina em cooperação penal é um órgão do Ministério da Justiça, o DRCI. Desde dezembro, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) tenta saber oficialmente o que a pasta tem feito, mas sem sucesso.

O chefe do DRCI, que estava no cargo desde 2010, foi substituído em janeiro por um homem da confiança do agora ex-tucano Alexandre de Moraes, antes de este ser indicado por Temer para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo os Panama Papers, Macri, seu pai, Francisco, e o irmão, Mariano, abriram uma offshore nas Bahamas, a Fleg Trading, em 1998. No processo que investiga o assunto, o MP argentino descobriu que a Fleg aplicou 9,5 milhões de dólares em empresas brasileiras da família Macri. Para o MP, foi lavar dinheiro de origem duvidosa.

É para saber mais sobre essa movimentação financeira que o juiz Casanello despachou um pedido de colaboração ao Brasil.

Panama Papers à parte, Macri deve ter se sentido à vontade no almoço no Palácio do Itamaraty, a sede da chancelaria brasileira, durante sua visita oficial. Uma questão de identidade com os demais comensais à mesa.

A seu lado, estavam Temer, citado em delações da Odebrecht. O ex-presidente José Sarney, na mira de uma investigação do MP por conspirar contra a Operação Lava Jato. Serra, beneficiário de caixa 2 na Suíça, segundo delação. O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), suspeito de arrancar 5 milhões de reais em doações eleitorais de modo não-republicano.

No almoço, regado a salada de lagostin, bacalhau com broa crocante, batatas ao murro e frutas de sobremesa, Macri aplicou uma pegadinha em Serra, e o ministro nem percebeu.

Ex-presidente do Boca Juniors, disse que no Brasil era Palmeiras, o time do chanceler, e este bateu palmas. Em seguida, Macri completou: era Palmeiras pois este time sempre tinha lhe dado alegrias quando Macri viera ao Brasil com o Boca, com derrotas para o clube argentino.

Em 2000, na gestão Macri, os argentinos venceram a equipe de Serra na final da Libertadores, no Morumbi.

Serra tem razões para um certo mau humor, e não só por causa de gozações clubísticas em público. Anda em situação desconfortável no governo.

Um embaixador em atividade comentou dia desses, em um almoço, que Temer foi genial ao escolher o cargo dado a Serra, por deixar o ambicioso tucano amarrado em suas maquinações políticas com vistas a uma sonhada candidatura presidencial.

Mais. Temer acaba de nomear para a Secretaria de Assuntos Estratégicos, um cargo ligado à Presidência, um acadêmico cujas opiniões fazem dele uma espécie de anti-Serra, Hussein Kalout, professor de Relações Internacionais.

Kalout era colunista da Folha. Em suas análises, escreveu que o Brasil não tem política externa, nem estratégia para a América do Sul, ponto de partida para qualquer pretensão internacional do País, além de estar enfraquecido no continente por comprar brigas ideológicas graças a Serra.

Achava também que a presença do tucano à frente da chancelaria era ruim para a imagem do Brasil, devido ao envolvimento dele na Lava Jato.

Se o presidente seguir os conselhos do novo auxiliar, o mau humor de Serra vai aumentar, e muito.