Daniela Nogueira: A humanização em meio à dor do outro

"Humanizar não é necessariamente compartilhar a dor do outro – principalmente quando o outro não é seu querido. Humanizar é respeitar essa dor. É guardar suas críticas para um debate civilizado no momento adequado. Saibamos extrair, de todas essas histórias, as lições de solidariedade e de delicadezas incondicionais que, sim, surgiram em meio à desordem”.

Por *Daniela Nogueira

Lula recebe homenagens destinadas a dona Marisa Letícia - Foto: Ricardo Stuckert

Em meio a dias nos quais o ódio e a crueldade humana impiedosamente efervesceram nas nossas conversas e nas nossas redes sociais, precisamos nos esforçar para nos blindar do horror e reaprender a sermos humanizados. Falo da solidariedade à dor do outro, da tolerância às diferenças, da sensibilidade em meio ao caos.

De um lado, há quem não consiga enxergar além de sua pequenez político-partidária e elabore surpreendentes teorias conspiratórias, insistindo em pulverizar a perversidade. Ou será que é normal fazer buzinaço e soltar fogos de artifício na porta do hospital enquanto a família chora a morte de um dos seus? Ganha-se o quê mesmo especulando tantas intenções diante da visita de FHC e Temer – este, hostilizado por uma militância atroz – à família de Lula em um momento de luto?

Não se trata de ingenuidade. É humanização. E ela se expressa quando os adversários políticos se abraçam em um momento de dor. É a humanização de quem dá e a humanização de quem acolhe. Ela é praticada quando uma família, doída pela emoção do limiar da vida e da morte, aceita a doação de órgãos.

É humanização também guardar as suas críticas (ou os seus xingamentos, porque sempre tem aquele que só sabe discutir atacando) políticas para o momento em que o outro puder replicar. Aproveitar-se de um momento de dor para despejar no outro sua fúria mordaz é de uma fraqueza sem tamanho.

É, por óbvio, repulsivo acompanhar todos os comentários dos médicos inescrupulosos que se esqueceram do juramento de Hipócrates, rasgaram a ética médica e nos fizeram sentir o deboche em suas conversas por WhatsApp. É nessas ocasiões que avaliamos os profissionais a quem confiamos nossa saúde e reconhecemos que, sim, há muitos médicos humanizados entre nós e constrangidos pelos colegas de jaleco.

Humanizar não é necessariamente compartilhar a dor do outro – principalmente quando o outro não é seu querido. Humanizar é respeitar essa dor. É guardar suas críticas para um debate civilizado no momento adequado. Saibamos extrair, de todas essas histórias, as lições de solidariedade e de delicadezas incondicionais que, sim, surgiram em meio à desordem. Ficar feliz com o sofrimento alheio ou promover o ódio diante da fragilidade do outro é vergonhoso. É desonesto.

*Daniela Nogueira é jornalista. 

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