Um madrilenho se despede de Iemanjá

O povo brasileiro possui uma invejável vocação de felicidade. E isso não se ensina, nem se aprende.

Por Antonio Jiménez Barca*, no El País

Homenagens a Iemanjá - Foto: Victor Moriyama

– E por que lhe ofertam um espelho?

– Porque a deusa Iemanjá é vaidosa. E bonita. Dessa forma pode ver a si mesma.

– E a esse outro, o Marinheiro, por que lhe oferecem uma garrafa de cachaça?

– Porque é um orixá marinheiro e beberrão.

Eu pergunto e Marisa, membro de um terreiro de Candomblé de Salvador, responde com uma naturalidade vencedora e um sorriso precioso. Ao redor, a praia do Rio Vermelho, na capital baiana, se ilumina pouco a pouco com a luz do amanhecer da Bahia. São seis horas da manhã. É dois de fevereiro, Dia da Festa de Iemanjá, a Rainha do Mar, uma as maiores festas religiosas do Brasil.

Uma mulher vestida de branco, em cima de uma rocha à beira-mar, passa uma rosa branca pelo rosto e ombros. Fica quieta, imóvel, hesitante. Parece pensar em algo, desejar algo, pedir algo.

Depois lança decidida a flor ao mar, como oferenda a Iemanjá, dá meia volta e vai embora, com outro sorriso na boca. Há uma fila de dezenas de pessoas todas vestidas de branco, que passarão pela casa da deusa, erigida em uma colina em frente à praia, ao lado de uma colônia de pescadores. Outra multidão abarrota a praia. Alguns dançam, outros passeiam, outros tiram fotos, muitos outros olham hipnotizados o balanço da água, o vaivém dos barcos dos pescadores que saem e entram levando os que preferem homenagear Iemanjá lançando seus presentes mar adentro. Existe um tráfego incessante de barcas e barcos pequenos carregados de pessoas sempre de branco com ramos de flores e espelhos. Por todos os lados sentimos o cheiro do perfume de lavanda preferido da deusa e que muitos jogam no mar depois de lavar os braços e o rosto com ele.

Vivo há dois anos e meio no Brasil e passei todo esse tempo me perguntando:

– E se o candomblé é outra religião, por que essa senhora joga perfume no mar para Iemanjá e depois faz o sinal da cruz?

– Porque aqui está tudo junto – responde Marisa, dando uma imbatível definição de sincretismo religioso. E do próprio Brasil.

Passa uma mulher belíssima vestida como Iemanjá, envolta em uma túnica azul celeste. Passa uma pessoa em trajes de banho com o cabelo rastafári no tornozelo. Próximo, um grupo de membros de uma mesma congregação de umbanda começa a dançar em roda. Um toca tambor e dois tocam pandeiros. Os outros batem palmas. Mais nada. Percussão, palmas e gritos. É música tribal, africana, antiga, velha, intocada, chegada a essas praias há muitos anos junto com os deuses que hoje são homenageados. Quem tem vontade entra na roda e dança. Os outros aplaudem. Existem casais que entram ao mesmo tempo e então a dança é decididamente sexual, explícita, descarada, carregada disso que é simplesmente vontade de viver. Entre os sisudos musicólogos se discute se o samba apareceu no Rio ou em Salvador. Eu diria que o samba nasceu hoje, nessa praia, às sete da manhã. E voltará a nascer no ano que vem.

Devoto escolhe rosas brancas para Iemanjá | Foto: Victor Moriyama

E você, o que pede a Iemanjá?

– Harmonia, paz e saúde.

– E dinheiro?

– Dinheiro não, a deusa não gosta que peçam essas coisas –, responde Marisa, com o mesmo sorriso que é sua marca registrada.

Em outro grupo de candomblé, na beira do mar, uma mãe de santo vestida de branco e com um turbante azul brilhante armado ao estilo da Bahia dança sozinha no meio de outra roda de dezenas de pessoas, dá voltas sobre si mesma, canta, faz com que o resto a siga, fecha os olhos, balança, se abraça, entra em transe, gagueja, cai, desmaia. Outra mulher vai ajudá-la, enxuga o suor de seu rosto, a ajuda a se levantar, lhe dá um sorriso. Todos aplaudem e a mãe de santo começa novamente, com outra canção, fazendo com que os dos tambores sigam seu ritmo. Mas ainda está um pouco tonta: incorporou, como dizem aqui, isso é, o orixá, o deus, entrou nela, tomou conta de seu corpo durante a dança. Encarnou nela. Rezou com ela, dançou com ela.

Me lembrei, enquanto via outra mulher de branco depositar delicadamente uma rosa azul em uma onda que retrocedia, que em dez dias voltarei a Madri.

– E o que acontece quando incorporam, o que sentem?

– É magia. Não se lembram. Quando voltam a si não se lembram. Invocam os orixás com a música, com os tambores, depois não se lembram. Não conseguem explicar muito bem.

Marisa continua sorrindo. Só que agora mais enigmaticamente.

Eu imagino ter entendido um pouco das velhas religiões africanas praticadas no Brasil quando, em outro terreiro de umbanda, também à beira-mar, protegido do sol por um guarda-sol gigante, um padre católico com mitra celebra uma missa diante de uma escultura de Iemanjá e outros orixás. Reza um pai-nosso ortodoxo e eu sinto que voltei ao ponto de partida, que continuo sem entender nada.

Talvez seja preciso apelar a esse “está tudo junto” de Marisa, ou talvez na verdade não exista muito a se entender e que o segredo, simplesmente, esteja em se apropriar dessa vontade de viver que exalava o casal do samba e esse sol e esse mar e essa multidão entusiasmada disposta a aproveitar o dia.

Porque às onze da manhã a deusa está satisfeita no fundo do mar, empanturrada de perfume de lavanda, rodeada de milhares de espelhos e flores.

Mas em terra firme a festa continua. Continuará até domingo, até quase o Carnaval. O povo brasileiro possui uma invejável vocação de felicidade. E isso não se ensina, nem se aprende. Gostaria que assim fosse, pensei comigo mesmo: levaria na bagagem. Porque me lembrei, enquanto via outra mulher de branco depositar delicadamente uma rosa azul em uma onda que retrocedia, que em dez dias voltarei a Madri. Sentirei saudades da Bahia, sentirei saudades do Brasil.