Resistência e reinvenção do “Pessoal do Ceará” na Bienal da UNE

Uma reflexão sobre um dos mais importantes movimentos culturais do Ceará abriu o primeiro debate da 10ª Bienal da UNE neste domingo (29) no Teatro do Dragão do Mar, em Fortaleza.

Por Cristiane Tada, do portal da UNE

Bienal da UNE Pessoal do Ceará - Foto: Tarcisio Feijó/UNE

A reinvenção do Pessoal do Ceará foi o tema que os convidados discorreram. O álbum “Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem”, de 1973, dos cearense Rodger Rogério, Teti e Ednardo é um marco na música brasileira e lançou o Pessoal do Ceará, nome pelo qual ficaram conhecidos, para o Brasil.

O cantor e compositor Rodger Rogério contou um pouco sobre os bastidores dessa época. “Se era um movimento eu não sei, mas era uma movimentação muito livre e à vontade. A gente queria era cantar e não tinha ideia de mercado”, afirmou.

Rogério lembrou que em 1971 houve um festival universitário no Rio de Janeiro e o cantor Belchior teve sua música eleita e com isso “todos aqui ficamos muito ouriçados”. A vitória do Belchior mostrou que música cearense concorria com a nacional.

Anos depois ele e Belchior se reencontraram em São Paulo e foram convidados a fazer um programa na TV Cultura. “Ednardo, Belchior, Teti e eu, tínhamos esse programa chamado Proposta e era um exercício enorme semanal de produção, composição e sempre uma entrevista. Um desses entrevistados era um produtor de disco e quis produzir algo nosso”, lembra.

Assim nasceu o LP que ficou famoso. Belchior e Fagner não entraram no disco porque já tinham projetos solos encaminhados.

“Em uma das primeiras entrevistas o repórter não conseguiu lembrar o nome de nós todos e assim começou a nos chamar de pessoal do Ceará e a gravadora resolveu usar”, contou.

Resistência e referência histórica

Esse mesmo Pessoal do Ceará gestou a Massafeira uma ocupação em março de 1979, no Theatro José de Alencar, em Fortaleza.

A cantora e compositora Mona Gadelha, coordenadora do laboratório de música do Dragão do Mar, afirma que lembra que do Pessoal do Ceará é uma geração prodigiosa da década de 70. “Eu inclusive gravei um disco para homenagear essas canções. Acho necessário colocar esses nomes numa localização histórica, eu participei desse movimento, uma ocupação dos jardins do teatro, na época eu com 19 anos não tive a dimensão da mudança estética que ia provocar também na minha vida”, destacou. Ela afirma que a história mostrou como o disco Massafeira foi importante e é referencia até hoje diversos artistas.

O cineasta cearense Nirton Venâncio, está fazendo um filme sobre o Pessoal do Ceará, e também movimentos culturais passando pela Massafeira e chegando à nova música cearense.

Ele afirmou que em relação com outros movimentos musicais nacionais, o Pessoal do Ceará não teve tanta divulgação no Brasil todo.

“A produção do filme está tentando entender se houve essa coisa da invenção do Pessoal do Ceará, se foi um disco, um movimento, porque os próprios artistas não querem ser rotulado, mas usufruem de fazer parte desse movimento musical”, explicou.

Para o jornalista e produtor musical Dawlton Moura, a música cearense continua e se reinventar em autoestima e empreendedorismo, todos fazendo seu caminho e buscando divulgação. “Nosso grande desafio é o reconhecimento até dentro do próprio Ceará”, destacou.

Moura valorizou também a cena nova musical atual e convidou os estudantes de fora para ver na prática a força da música do Ceará. “Nós temos os melhores músicos instrumentistas do país”.

Para ele, é necessário adotar uma postura ativa de conhecer a cena independente de cada local “para não ficar com o cardápio reduzido reproduzido pelos meios de comunicação, responsável pela homogeneização da música”.

Para o Secretário de Ciência e Tecnologia do Ceará , Inácio Arruda, a Bienal da UNE no Ceará, não podia ter porto mais adequado para se amparar do que o Dragão do Mar, e relacionou o espaço e o movimento cultural como símbolos de resistência na luta abolicionista e contra a ditadura militar.

“Eu era plateia em 79, esse povo todo aqui tava no palco, a Massafeira não precisou de manifesto. Se estamos hoje aqui reunidos para discutir a reinvenção, a Massafeira e o Pessoal do Ceará é porque houve resistência, contestação, na letra as músicas, era uma reação ao golpe e ao regime", afirmou Arruda.