Livro inédito reúne crônicas políticas de Antonio Callado

Romance, jornalismo, biografia e teatro. Essas foram algumas das áreas pelas quais transitou o escritor carioca Antonio Callado, que completaria 100 anos na última quinta-feira (26). Formado em direito, Callado nunca seguiu a carreira, explorando outras formas de expressão com um mesmo objetivo: conhecer o Brasil.

Antonio Callado - Divulgação

Reflexos dessa busca estão reunidos no livro O país que não teve infância: as sacadas de Antonio Callado, cujo lançamento acontece em abril deste ano, pela editora Autêntica. Com organização de Ana Callado, viúva do escritor, o livro reúne 86 crônicas políticas publicadas entre 1978 e 1982 na coluna “Sacadas”, da Revista IstoÉ.

Além do retrato dos últimos anos da ditatura militar brasileira, a obra atesta o profundo conhecimento que Callado tinha do Brasil. As relações políticas entre Uruguai e Argentina, a reforma agrária, a religião e as questões indígenas são alguns dos temas tratados nos textos, que são marcados pela pena irônica de um escritor que observava e apontava as mazelas de um país que “tem sido uma série de falsas expectativas”, como afirmou em sua última entrevista, publicada na Folha de S.Paulo em janeiro de 1997.

O país sem infância

O título do livro remete a uma das crônicas em que Callado constrói uma metáfora para o fato de o Brasil jamais ter feito reforma agrária. A questão territorial, intimamente relacionada aos problemas indígenas, perpassa toda produção do escritor carioca. Alguns de seus livros de maior destaque, como O esqueleto na lagoa verde (1953), Quarup (1967) e A expedição Montaigne (1982) são retratos dessa preocupação, em que suas expedições ao interior do Brasil são matéria-prima para suas criações romanescas.

A preocupação política com o país, que atravessa quase todos os textos de O país que não teve infância, também é reflexo da vida engajada que levou. Militante contra a ditadura militar instalada no Brasil em 1964, o escritor chegou a ser preso duas vezes. Primeiro, em 1965, quando protestava contra a ditadura em frente a um hotel no Rio de Janeiro onde a Organização dos Estados Americanos (OEA) realizava uma conferência. Treze anos depois, foi detido novamente enquanto retornava de uma viagem a Cuba com a esposa e a filha.

Reflexos do baile (1976) é uma de suas obras que abordam, de forma criativa e inovadora, a ditadura militar. Intercalando diversas vozes, o romance relata a ação de um grupo de guerrilheiros que planejava um sequestro durante os anos de chumbo. Afirmava ter sido a sua melhor produção.

Apesar da ditadura militar e o povo indígena serem as grandes temáticas de seus romances e reportagens, Callado também esteve ligado a outros temas na sua tentativa de compreender o Brasil, como o racismo, que aparece na peça de teatro Pedro mico (1957), considerada inovadora na época por colocar negros como protagonistas da história.

O autor morreu em 1997, dois dias após completar 80 anos. A comemoração de seu centenário inclui ainda um documentário dirigido Emília Silveira com previsão de lançamento para o segundo semestre. Apesar de seu livro de crônicas a ser publicado demonstrar uma certa esperança com o futuro da nação, foi o pessimismo que deu o tom de sua última conversa com a imprensa: “Hoje, eu realmente não acredito em coisa nenhuma que possa acontecer no Brasil, ou aos homens, de um modo geral”, foram suas palavras finais.