2017: Ano novo e PIB velho

Todo começo de ano é o mesmo ritual que sempre se repete. Os grandes meios de comunicação chamam os chamados "especialistas” a darem suas opiniões e suas previsões a respeito das perspectivas da economia para o ano que se inicia. 

Por Paulo Kliass*

Dinheiro - Reprodução

E aí vem à baila um verdadeiro festival de chutes e apostas sem nenhuma base objetiva de sustentação. O cidadão “comum” fica perdido em meio a uma enormidade de valores relativos ao possível desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) para o período janeiro/dezembro próximo.

O mais interessante é que todo esse bombardeio de apostas se realiza sem que nem mesmo as informações oficiais a respeito do PIB do ano que acaba de se encerrar estejam definitivamente consolidadas. Tudo bem que dentre as inúmeras funções dos economistas esteja a tentativa de projetar algum cenário futuro, tanto para orientar as autoridades públicas como as empresas e as famílias a respeito das diferentes áreas da economia. Mas recomenda-se um pouco de humildade e reconhecimento das próprias limitações nessa complexa e sensível tarefa.

Os primeiros dias desse ano não fugiram à regra. Um mero exercício de leitura de jornais em 16 de janeiro último, uma segunda-feira, é bastante elucidativo desse quadro confuso. O leitor se depara com 3 informações a respeito do assunto “perspectivas para o crescimento do PIB brasileiro para 2017”.

– Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê crescimento de apenas 0,2%.
– Pesquisa Focus encomendada pelo Banco Central chega a 0,5%.
– Consultoria de Francisco Lopes (ex presidente do BC) avalia 1,4%.

O que chama a atenção também é que não se trata de informações banais ou levianas que foram fornecidas por instituições sem nenhuma “responsabilidade”. Por maiores que sejam as divergências que possamos ter com o FMI, trata-se de uma agência multilateral que mantém profissionais competentes em seus quadros. A Pesquisa Focus é realizada a cada semana pelo órgão encarregado pela implementação da política monetária e ouve as opiniões de especialistas do mercado financeiro. Já Chico Lopes é diretor da Macrométrica, importante empresa de consultoria do ramo de economia e finanças. Por uma ou outa razão todas essas fontes têm ou deveriam ter alguma preocupação em preservar suas próprias imagens.

O fato de apresentarem tal divergência de opinião a respeito de assunto tão crucial só vem a comprovar a tese de que a economia não é mesmo uma ciência exata. E que as distintas formas de avaliar o fenômeno econômico variam segundo as correntes explicativas e de acordo com os modelos utilizados pelos analistas para chegar a tais resultados.

O IBGE leva um certo tempo para processar as informações relativas aos setores da economia e os números oficiais a respeito de como foi o desempenho do PIB em 2016 só devem sair mesmo em março. Mas algumas estimativas já apontam para outra queda expressiva de nosso Produto, algo em torno de -3,8%. Ou seja, trata-se muito provavelmente de uma repetição do desastre observado em 2015.

Ora, como a dinâmica econômica não obedece ao ritmo do calendário do ano civil, o fato é que o desempenho de 2017 será também muito influenciado pelo ocorrido no ano que acabou de terminar. Como se diz no jargão do “economês”, a economia estará sentindo ainda “o efeito carregamento” dos malefícios provocados pela política do austericídio e haverá muita dificuldade em se promover tamanha inversão de tendência. Não existe essa estória de zerar o jogo em 31 de dezembro e começar tudo do início em 1º de janeiro.

A grande maioria das previsões oferecidas pelos economistas costuma não corresponder ao ocorrido de fato no período que se pretende antecipar. Isso é perfeitamente compreensível e não deveria incomodar, salvo pelo fato de que tais previsões são levadas muito a sério por quem as elabora e pela grande imprensa especializada. Os órgãos de comunicação são os responsáveis por sua divulgação sem nenhuma ponderação crítica, como se fossem verdades inquestionáveis. É o tal do endeusamento do “saber técnico”, supostamente infalível.

Algumas pesquisas têm se dedicado ao estudo desse tipo de previsão e chegam mesmo a determinados resultados surpreendentes. Assim, estima-se que os macacos acertariam melhor esse tipo de previsão do que os modelos rodados pelos economistas. O fato é que as variáveis que contribuem para a tentativa de determinação do desempenho econômico futuro são muito voláteis e sujeitas a variações pelos próprios analistas. É o caso, por exemplo, do que ocorre com o mesmo universo de especialistas do mercado financeiro; a pesquisa do BC apresenta resultados diferentes para o cenário do PIB futuro ao longo do tempo. E o ambiente político também contribui de forma significativa para a formação de tais opiniões.

Em abril de 2016, esse seleto grupo do financismo externava uma previsão de crescimento de 0,2% para o PIB em 2017. Lembremo-nos de que vivíamos a fase de campanha aberta pela deposição de Dilma. Já em setembro, depois de consumado o “golpeachment”, a fadinha mágica das expectativas os levava a reconsiderar e achar que o PIB cresceria 1,4%. Nada como um bom choque de realidade para trazer o otimismo infundado para o patamar terreno e em dezembro o PIB previsto por esse pessoal já estava em torno de 0,5%.

Parece evidente que a fase mais aguda da recessão e do desemprego em algum momento será superada. Afinal, dois anos consecutivos de queda próxima a 4% do PIB não são pouca coisa. No entanto, o ritmo de recuperação da atividade econômica depende de fatores como gastos públicos, investimentos e consumo das famílias. E a situação atual não recomenda muito otimismo com esses dados. Outra alternativa seria a saída via exportações, mas tampouco o cenário externo é tão alentador.

O governo conseguiu dobrar o doutrinarismo neoliberal mais radical e obteve do Copom uma importante redução na taxa oficial de juros, a Selic. Esse pode ser um caminho para a reversão da curva de crescimento. Mas nada tão acentuada como a previsão de Chico Lopes. Infelizmente, para a maioria da população a recuperação deve mesmo ser lenta e dolorida.

* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental