Natalia Sancha: Quem são os rebeldes de Alepo?

Em artigo publicado no insuspeito El País, jornal espanhol que também emite a opinião da corrente dominante na mídia internacional e ocidental, a jornalista Natalia Sancha revela quem são os tais "moderados" que operam na Síria e as ações deles durante a libertação da cidade de Alepo das mãos dos terroristas. Só o mais cavernícola e desonesto jornalismo é ainda capaz de ocultar que os "rebeldes sírios" são um bando de facínoras, capazes de todos os crimes.

Sírios comemoram libertação de Alepo na noite de quarta-feira (14)

Leia abaixo a íntegra do artigo, traduzido pelo site O Diário.Info:

O frágil pacto, alcançado contra o relógio e negociado entre potências internacionais, Moscou-Ancara, esteve a ponto de descarrilhar nesta quarta-feira quando se deparou com as exigências particulares dos atores locais que desde há tempos combatem na frente: insurretos e Exército sírio. Longe de compor uma frente homogênea e comum, o bando rebelde de Alepo conta com mais de 40 facções armadas de entre 100 a 1.500 combatentes cada uma.

Por Natalia Sancha, no El País

Pressionados pela necessidade bélica em Alepo, estas facções agruparam-se em duas coligações principais: Jeish el Fatá (Exército da Conquista) e Fatá Haleb (Conquista de Alepo). Em ambas impõe-se a ala conservadora salafista. Varias delas têm sido acusadas de cometer crimes de guerra durante os quatro anos que controlaram o hemisfério ocidental da cidade.

O número tanto de civis como de combatentes em Alepo é objeto de controvérsia. Os cálculos iniciais da ONU quantificaram em 250.000 o número de civis, 80.000 dos quais teriam saído na última semana, e em 8.000 o de combatentes rebeldes. Entretanto, a televisão estatal síria quantificou esta quinta-feira em 9.000 o remanescente de moradores eml Alepo oriental e em 4.000 o de opositores armados.

Segundo o cálculo do enviado especial da ONU para Síria, Staffan de Mistura, uns 12% dos insurretos seriam jihadistas de Fatá al Sham. Esta antiga filial de Al Qaida que, apesar de mudar de rótulo, continua presente na lista de grupos terroristas da Europa e Estados Unidos. Duas organizações guarda-chuva, Jeish el Fatá e Fatá Haleb, aglutinam estas facções em Alepo oriental e contariam com 4.000 a 8.000 combatentes.

Frente Fatá al Sham: Os especialistas estimam que este grupo jihadista conta com uns 1.000 homens em Alepo, que respondem ao líder Abu Mohamed el Jolani. Entre 10.000 e 20.000 combatem em toda a Síria, 30% dos quais estrangeiros. A Al Qaida na Síria mudou de nome, primeiro para Frente Al Nusra, para mais tarde passar a chamar-se Fatá al Sham numa tentativa de limpar a sua imagem. Em maio de 2012, a filial terrorista levou a cabo os primeiros atentados suicidas na Síria, nos quais matou 55 pessoas e feriu outras 400 na capital. Inicialmente fortes no nordeste do país, em 2014 perderam Raqa para o Estado Islâmico (ISIS, na sigla em inglês), cisão da Al Qaida e competidor ideológico.

Ahrar al Sham: Coligação de vários grupos de perfil islamista e salafista lideradas por Abu Ammar al Omar e uma das principais forças armadas insurretas em Idlib. Entre 10.000 e 20.000 milicianos lutam nas suas fileiras, entre 800 e 1.000 em Alepo em aliança com Al Qaida.

Fatá Haleb (Conquista de Alepo): É a segunda coligação, com uma trintena de grupos armados que inclui moderados do Exército Livre Sírio (ELS) como a Divisão de Infantaría 101, mas onde predomina a liderança armada de islamistas e salafistas como Nour al Din al Zinki, a Frente al Shamia, ou Jeish el Islam (Exército do Islão).

Divisão de Infantaría 101: facção que pertence ao Exército Livre Sírio, nascido no principio da contenda quando vários generais desertaram do Exército regular. Contaria com escassas centenas de homens em Alepo. Composto por sírios, pertence ao espetro mais moderado da oposição, embora mantenha relações com facções radicais com as quais combate contra as tropas regulares em Alepo.

Nour al Din al Zinki: contam com entre 1.000 e 1.200 homens em Alepo, onde o grupo surgiu em finais de 2011 sob a liderança do xeque Taufik Shahabudín. Facção de perfil islamista, estaria financiada por Ancara e composta por locais sírios.

Jeish el Islam: contaria com uns 500 homens em Alepo. É o agrupamento guarda-chuva de vários grupos de perfil islamista e salafista. Constitui a principal força de oposição na periferia de Damasco. Após o assassínio de seu líder, Zahran Alloush, este foi substituído por Mohamed Alloush. Têm entre 20.000 e 25.000 combatentes. Entre os seus bastiões estão Duma e Guta Oriental, na periferia de Damasco.

Frente Shamia:
surge em finais de 2014 em Alepo, onde contaria com uns 800 homens. Trata-se de uma aliança de vários grupos de perfil salafista sob as ordens de Abu Amer, nome de guerra. Combatem contra as tropas regulares sírias e contra as milícias curdas em Alepo.

Financiamento de atores regionais

A "Turquia apoia Nour al Dine Zinki e Ahrar al Sham. Ambos dispõem de misseis antitanques BGM-71 TOW teleguiados e de fabrico estadunidense, o que induz a que também tenham recebido apoio dos norte-americanos", explica em mensagem de e-mail o analista militar sírio Mohammed S. Alftayeh. “Enquanto ninguém se reclama de apoiar a Fatá al Sham, a maioria dos analistas estão de acordo em que o seu principal apoiante é o Catar, o mesmo que os animou a desvincular-se da marca Al Qaida”, acrescenta. Segundo Alftayeh, Jeish al Islam, o grupo mais importante na periferia de Damasco embora residual em Alepo, recebe apoio de Riad. Quanto à presença de rebeldes moderados do ELS, o perito sírio assegura que “é muito reduzida e limitada em Alepo”.

A radiografia atual do bando opositor em Alepo corresponde à progressiva absorção dos combatentes do ELS, que viram esvaziar-se as fileiras dos antigos moderados, hoje procurando por um lado vingar-se dos bombardeamentos indiscriminados sobre civis da aviação síria e russa e, por outro lado, atraídos pelo fluxo de recursos oriundos das monarquias do Golfo e da Turquia. Recursos limitados que provocaram também confrontos armados entre as diferentes facções, como os que em Novembro passado enfrentaram milicianos do grupo Fastaqin, filiado no ELS, contra os mais conservadores de Nour al Din al Zinki.

Entre o puzzle insurreto, uns 130.000 a 250.000 civis, conforme as fontes, permaneceram cercados pelas tropas regulares sírias durante mais de quatro meses. Um cerco em que os grupos rebeldes mais radicais participaram proibindo a fuga a civis, que usaram como escudos humanos. Testemunhos confirmados por vários dos 80.000 moradores que conseguiram fugir para a zona sob controle do Governo na última semana, e também como denuncia a ONU, que os acusou de abrir fogo contra famílias que tentavam escapar dos combates. E ainda assim, parte da população civil apoia os que considera como seus “irmãos sírios que lutam por uma Síria melhor e pela queda de Al Assad”. Em contrapartida, centenas de ativistas, trabalhadores sociais, equipas de resgate e pessoal médico que configuraram a magra espinha dorsal de uma população desprovida de tudo, temem hoje ser encarcerados, ou executados, se atravessam os controles do Exército sírio.

Após quase seis anos a guerra síria custou ja mais de 312.000 vidas, cerca de metade das quais civis, segundo dados proporcionados pelo Observatório Sírio para os Direitos Humanos. A resolução 2139 adotada pelo Conselho de Segurança da ONU em 22 de Fevereiro de 2014 insta todas as partes do conflito sírio a respeitar as leis humanitárias internacionais e por consequência a protecção dos civis que não participam nas hostilidades.

Partida em dois desde 2012, a população de Alepo oriental ficou sob as leis, nem sempre unânimes, dos diferentes grupos opositores. A Anistia Internacional denunciou num relatório do passado mês de julho os crimes de guerra cometidos por varias facções rebeldes.

“Hoje, em Alepo e Idlib, os grupos armados têm carta-branca para cometer com impunidade crimes de guerra e outras violações da lei humanitária internacional. Surpreendentemente, temos documentado o uso por parte de grupos armados dos mesmos métodos e torturas que são habitualmente empregados pelo Governo sírio”, reza o relatório.

Os testemunhos de vítimas denunciam facções como Nour al Din al Zinki, Frente al Shamia, Divisão 16, Fatá al Sham e Ahrar al Sham. Para além de execuções por adultério ou ataques a homossexuais, encontram-se outros casos mais midiatizados como o do jovem Abdulá Issa. Com apenas 12 anos, o menor foi acusado de espião e publicamente decapitado por milicianos de Nour al Din al Zinki. Às execuções dentro do perímetro rebelde soma-se a chuva de morteiros que no último mês matou mais de 140 civis nos bairros residenciais da Alepo ocidental sob controle do governo.