O cineasta latino que conquistou Hollywood (e Natalie Portman)

O diretor chileno Pablo Larraín voltou à manchete das notícias vinculadas ao cinema em 2017. Tudo isso graças a “Neruda”, que narra a perseguição policial ao poeta Pablo Neruda durante os anos 1940, quando o escritor se filiou ao Partido Comunista e precisou se esconder.

Por Alan de Faria

Pablo Larraín - Divulgação

Em cartaz no Brasil, a produção foi eleita uma das 20 melhores do ano pela “Film Comment”, a principal publicação cinematográfica dos Estados Unidos, e ainda figura na lista dos lançamentos de 2016 mais inovadores e que “resistirão ao tempo”, feita pelo departamento de cinema do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York). Foi também indicado ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro, aplaudido por sete minutos no festival de Cannes, na França e escolhido pelo espanhol Pedro Almódovar o melhor do ano. Ficou de fora da lista do Oscar, mas, diante de um currículo já tão favorável, isso não pesa tanto.

A verdade é que 2016 reservou muitas novidades na carreira do cineasta de 40 anos. Se em 2013 ele bateu na porta da indústria hollywoodiana com seu filme “No” – sobre um publicitário que criou uma campanha para a população votar contra a permanência de Augusto Pinochet no poder em um referendo no ano de 1988 -, que disputou o Oscar de melhor produção estrangeira (perdendo o prêmio para o austríaco “Amor”), neste ano ele abriu o portão e entrou com personalidade neste poderoso mercado.

Isso se deve, sobretudo, ao seu trabalho na direção de “Jackie”, cinebiografia da primeira-dama Jacqueline Kennedy (1929-1994). O filme, que estreou nos EUA no início deste mês de dezembro e chega aos cinemas brasileiros em fevereiro, traz Natalie Portman na pele da mulher de John F. Kennedy (1917-1963) e mostra, por meio do olhar dela, os quatro dias posteriores ao assassinato do 35º presidente americano.

Experimental

“De Wong Kar-Wai a Ingmar Bergman, a história do cinema está repleta de cineastas internacionais brilhantes que, de alguma forma, perderam a mão ao filmarem em inglês pela primeira vez. Não foi o caso de Pablo Larraín”. É assim que começa um texto de outubro deste ano da revista “Variety”, considerada outra bíblia do universo audiovisual, sobre o trabalho do chileno em “Jackie”. Para a publicação, Larraín conseguiu entregar “um retrato biográfico emocionalmente cortante, minucioso e destrinchado de Jacqueline Kennedy”.

O convite para dirigir este longa partiu do produtor Darren Aronofsky (“Cisne Negro”), que, em conversa com o “The New York Times” neste mês, afirmou que, chamou um estrangeiro para o projeto porque “algumas vezes, a mais interessante visão sobre algo vem de alguém de fora”.
“O Larraín é um autor muito diverso, mas extremamente preciso e inteligente. E não tem medo de pensar nas diferentes camadas de um filme. Fora isso, preocupa-se com os atores, fica próximo deles”, disse Aronofsky ao jornal.

Em entrevista publicada em novembro para a revista especializada em cinema “IndieWire”, Larraín confessa que tinha dúvidas se deveria aceitar este trabalho e que chegou a duvidar, vamos dizer, da “sanidade” de Aronofsky ao convocá-lo, afinal de contas não tinha nenhuma relação com a história de Jacqueline.

“Cheguei a ligar para a minha mãe, que me disse para eu fazer o filme. O motivo? Ela me contou que, embora fosse chilena e estivesse distante fisicamente de tudo o que aconteceu com Jacqueline, pôde sentir o que se passou com a primeira-dama naquele momento após o assassinato do marido”, disse ele. Foi a deixa para aceitar o projeto.

Natalie Portman em Jackie

Criou-se, então, de acordo com Larraín, ainda em entrevista para a “IndieWire”, uma outra inquietação: entender quem foi o ser humano Jacqueline Kennedy por trás da figura pública, daquela exemplar primeira-dama. “Isto não foi fácil por várias razões. Em primeiro lugar, foi um desafio para mim fazer um filme sobre uma mulher. Se você olhar a minha cinematografia, todos os longas são sobre homens. Tive de encontrar nela uma sensibilidade diferente, bem particular. Ela passou por uma situação de terror, de limite. E o que fez? Absorveu o sofrimento de todo o país e o colocou sobre os seus ombros”, esclarece o diretor à publicação.

“Pablo estava mais interessado em aspectos da Jacqueline como ser humano, queria mostrá-la a partir de seus pontos fortes e suas falhas, e não como um ícone”, afirmou Natalie Portman, também à “IndieWire”. Aliás, uma das condições para Larraín aceitar fazer o filme foi justamente ter a atriz como protagonista. Pelo seu papel no longa, ela é uma das favoritas a ganhar o Oscar. Se for laureada, será a sua segunda estatueta dourada: a primeira foi por “Cisne Negro” (2010).

“Ao mesmo tempo que o Pablo é muito ousado, ele também é poético. Isso faz você não ter medo de agarrá-lo pelas mãos e saltar no desconhecido”, disse Natalie Portman sobre o diretor ao 'New York Times'.

Tanta repercussão em torno de Larraín tem levado alguns meios a apostarem que ele pode repetir o êxito alcançado por seus pares latinos, Alfonso Cuarón e Alejandro Iñárritu, que levaram o Oscar de melhor direção nos últimos três anos – o primeiro em 2014 por “Gravidade”, e o segundo, em 2015 e em 2016, por “Birdman” e “O Regresso”, respectivamente.

A jornalista correspondente em Los Angeles Mariane Morisawa, por outro lado, acha improvável. “Cuarón e Iñarritu são mexicanos, mas fizeram obras bastante enquadradas no cinema hollywoodiano, e aqui não discuto qualidade, apenas o estilo dos filmes mesmo. Tinham algumas ousadias, mas dentro de certos parâmetros. Fora isso, fizeram seus filmes dentro de estúdios”, lembra a jornalista.

Para Morisawa, “Jackie”, uma coprodução EUA/França/Chile pequena – custou US$ 9 milhões contra US$ 135 milhões de “O Regresso”, por exemplo −, é uma cinebiografia, cuja estrutura passa longe daquelas que costumam concorrer ao Oscar na categoria principal. Ela conta que a Fox Searchlight, um dos grandes estúdios de Hollywood, só resolveu comprar o filme para distribuí-lo no mercado americano depois de ele ser exibido no Festival de Toronto, uma das principais vitrines para a temporada de prêmios do cinema nos EUA. “É um filme experimental”, resume.‎

Internacional

Se somente agora os norte-americanos estão se interessando a fundo pelo trabalho de Pablo Larraín, o diretor, formado em jornalismo e comunicação visual, que cresceu assistindo a produções alemães de Fritz Lang (“Metrópolis”), Wim Wenders (“Asas do Desejo”) e Herzog (“Fitzcarraldo”), já se tornou habitué dos principais eventos cinematográficos do mundo. E detalhe: desde o seu primeiro longa, “Fuga” (2006), sobre um compositor de música clássica que enlouquece, que foi premiado no Festival de Cartagena, um dos mais importantes da América Latina.

Logo em seguida, seu segundo longa-metragem, “Tony Manero” (2008), sobre um fã de John Travolta que decide participar de um campeonato de imitação do ator de “Os Embalos de Sábado à Noite”, seria exibido na Quinzena de Realizadores, mostra paralela do Festival de Cannes. A produção, que se passa nos anos 1970, tem como pano de fundo a ditadura de Augusto Pinochet (1915-2006).

Dois anos depois, “Post Mortem” disputaria o Leão de Ouro do festival de Veneza e seria eleito o melhor filme dos festivais latinos de cinema de Havana e Cartagena. A produção também flerta com o contexto político chileno, desta vez com os dias que antecedem a queda de Salvador Allende, em 1973, focando a história em um funcionário de necrotério que se apaixona por uma bailarina que desaparece após o golpe militar de Pinochet.

Completam a sua cinematografia, “No” (2012), exibido na Quinzena dos Realizadores de Cannes e vencedor do prêmio Cicae (Confederação Internacional dos Cinemas de Arte) do festival francês e indicado ao Oscar, e o denso “O Clube” (2015), sobre um grupo de padres acusados de pedofilia, que levou para casa o Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim.

“Acho que o cinema dele tem a medida certa entre o experimental e o comercial, que esses festivais grandes costumam gostar. Ele faz um cinema de autor, ou de arte, com algum apelo popular, alguns mais, outros menos, claro, mas que não são ousados demais na narrativa ou na forma a ponto de afastar o público mais amplo para esse tipo de filme”, afirma Morisawa.

“O que faz do Pablo Larraín um diretor tão singular é o fato de ele ser um cineasta político”, sintetiza Thiago Stivaletti, um dos editores do Filme B, site especializado no mercado cinematográfico.
Tal opinião vai de encontro, por sinal, a algumas declarações do próprio Larraín, segundo de seis filhos do senador Hernán Larraín, filiado ao partido de direita Unión Demócrata Independiente, e de Magdalena Matte, ministra durante a presidência de Sebastían Piñera (2010-2014).

Em entrevista para o jornal britânico “The Guardian” no início deste mês para falar de “Neruda”, “Jackie”, a força e a presença latina em Hollywood e a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos EUA, ele afirma:

“Quando existe uma crise, tem arte; quando existe dor, tem arte; quando existe sofrimento, tem arte. Quando lutamos por algo, nós criamos, é algo do ser humano. E cinema é sempre um ato político, sempre.”