Paulo Pimenta: O espetáculo da mídia e a expansão da desigualdade 

Em 2016, assistimos com perplexidade a uma regressão no campo dos valores e a um verdadeiro desmantelamento das instituições democráticas no Brasil. A Presidenta Dilma Rousseff (PT) foi retirada do cargo por uma artimanha de alegação de crime de responsabilidade, mesmo sem provas, para justificar o impeachment. Foi um golpe!

Por Paulo Pimenta* 

Moro, Aécio e Temer - Fotos: Folhapress

O vice-presidente Michel Temer (PMDB), partícipe dessa artimanha, assumiu o poder e se tornou um presidente ilegítimo. O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), um aliado decisivo da cúpula golpista, logo após o golpe teve seu mandato cassado, foi preso e responde por corrupção.

O golpe foi embalado por uma campanha de difamação midiática sistemática contra o PT e o ex-presidente Lula, dando luzes a juízes e promotores da operação Lava Jato que se especializaram na partidarização das investigações. Além da seletividade, seus métodos incluíram o vazamento de informações à imprensa, a divulgação ilegal de gravações e a perseguição em busca de provas inexistentes.

Com a exibição de fotos de depoentes, o escracho de familiares, entre outros, a justiça começou a fazer parte de um reality show. A Rede Globo de TV se tornou o Coliseu moderno em que o povo assiste acusados, culpados ou inocentes, serem jogados aos leões. O que importa é alimentar a sede de ódio que faz encobrir as relações de poder em jogo nesse Golpe.

Passados seis meses do governo ilegítimo, a cortina de fumaça já não consegue mais esconder a podridão de um governo atrelado ao mais alto esquema de corrupção. Sete ministros de Temer foram destituídos do cargo ou não puderam assumir por envolvimento em esquemas de corrupção, que vão desde recebimento de propina, "caixa 2" de campanha, lavagem de dinheiro, à grilagem de terra, desmatamento e intermediação de pareceres a serviço da especulação imobiliária.

No PSDB, expressões dos ideais dominantes, atuantes no Golpe, como Aécio Neves, o candidato derrotada nas eleições de 2014, José Serra, Ministro ilegítimo das Relações Exteriores e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, foram delatados à Operação, Lava Jato por esquemas de corrupção.

Descortinar esses casos é enfrentar a ilusão criada pela mídia tradicional que alimentou o antipetismo a serviço do golpe e distorceu os objetivos do combate à corrupção. Uma ação do Estado contra a corrupção para melhorar suas instituições em qualquer esfera de poder e na sociedade em geral foi transformada em uma ação contra o próprio Estado que precisa ser demonizado como ineficiente para ser vendido ao mercado, sacralizado por uma suposta competência.

A ilusão midiática particulariza no PT e na esquerda a falsa ideia de que são responsáveis por uma crise que, na verdade, é do capitalismo mundial e não dá repercussão ao envolvimento de pessoas da direita em casos de corrupção, tampouco lhes atribui a responsabilidade de um sistema de exploração. E quando necessário, essa mesma mídia generaliza, focalizando o Estado, suas instituições, os partidos, todos como ineficientes, para poder aplicar as reformas do neoliberalismo que encolhem as políticas públicas eliminando o Estado de bem estar-social.

O chamado antipetismo não se estancou com o golpe. Com suas práticas sistemáticas de distorção da realidade, a mídia fortaleceu o clima de ódio como estratégia para justificar a rápida inundação dos interesses das elites dominantes que se espalharam no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. Em sintonia com esses interesses, fixaram um cenário de violação de diretos humanos, subordinação aos interesses de mercado, entrega do patrimônio nacional e ataque aos direitos de trabalhadores e trabalhadoras.

Chegamos ao início de dezembro e o governo sem propostas para enfrentar à crise econômica investe na PEC/55, a chamada PEC da Morte, que congela em 20 anos os investimentos em saúde, educação e assistência social. A lógica desse governo que atropela a democracia impondo medidas sequer discutidas é usar a violência para reprimir a reação popular contra as medidas de ajustes. Ao mesmo tempo em que o povo leva bombas de gás na rua, os protagonistas do golpe, Michel Temer, Jose Serra, Geraldo Alckmin, João Doria, Aécio Neves e o juiz Sérgio Moro, festejavam alegremente o prêmio “Brasileiro do Ano” concedido pela revista Isto É.

A foto dessa cerimônia revelou a intimidade entre o investigador Sérgio Moro e o tucano Aécio Neves, o mais citado nas delações da operação Lava Jato, e chocou o país. A suspeita óbvia de que os tucanos não são investigados nessa operação torna-se uma evidência.

Nesse quadro de crise política, o senador Renan Calheiros (PMDB), agora réu, nega-se a cumprir a liminar do juiz da Suprema Corte que determinou sua saída da presidência do Senado. De contraditória, o STF votou por sua permanência no cargo pelo em uma votação histórica que revelou um grande "acordão" – quem não se lembra de Romero Jucá – para dar continuidade às votações de medidas de ajuste econômico, mostrando com nitidez o envolvimento do Poder Judiciário nos meandros do golpe. E nesse jogo de interesses, o STF negocia a retirada da urgência de votação das leis que tratam de crime de abuso do poder do judiciário e dos salários acima do teto.

O atual contexto explicita o uso de princípios distintos para julgar a Presidenta da República e o Presidente do Senado e faz ruir a ingênua ideia ainda presente no imaginário social de isenção, imparcialidade e independência do Judiciário. Mas em meio toda a essa instabilidade institucional, o governo ilegítimo de Temer encaminha a Reforma da Previdência. Um atentado contra os direitos dos (as) trabalhadores (as) que ignora as condições de trabalho, de acesso à saúde, de transporte, enfim, as realidades das diversas populações do campo e da cidade, e altera para 49 anos o tempo de contribuição para a aposentadoria integral, entre outros retrocessos.

As novas regras previdenciárias são mais uma grande manobra do projeto golpista, executadas sem mexer em privilégios, aumentando a exploração de milhões de brasileiros (as) e isentando militares dessa mudança.

A cilada que se arma para acelerar a aprovação das tais medidas de ajuste também é envolta em um discurso conservador que atribui ao povo e às instituições do país a condição de atraso. A crise econômica que é resultante de um sistema de brutal exploração é traduzida por uma narrativa que atribui às políticas sociais, aos gastos previdenciários, enfim, ao povo, a razão dos problemas enfrentados. Esse pensamento ignora todo o sistema de desigualdade social que é determinante na realidade sócio histórico brasileiro e restringe a compressão da complexidade dos fatores que afetam a vida de milhões de pessoas.

Se por um lado não é de se estranhar o descompromisso de elites com as conquistas democráticas alcançadas nas últimas décadas, por outro, é preciso combater e desfazer a narrativa distorcida da grande mídia que colabora com essa operação que quer reduzir direitos e desconstituir as instituições democráticas.