EBC: Parecer troca Conselho Curador por comitê e desfigura empresa  

Foi apresentado nesta terça-feira (6), na Comissão Mista do Congresso Nacional, o relatório elaborado pelo senador Lasier Martins (PDT/RS) que analisa a Medida Provisória (MP) 744/2016 – a MP altera a Lei da EBC (Lei 11.652/2011). Uma questão destacada no parecer é a criação de um Comitê Editorial e de Programação em substituição ao Conselho Curador, extinto pela MP 744. O Conselho Curador contava com representantes da sociedade civil e do governo.

Debate denuncia tentativa do golpe de acabar com comunicação pública - Agência Câmara
Para o relator, o comitê vai resolver uma questão colocada durante as audiências realizadas para debater as mudanças na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que é a participação da sociedade nas decisões da empresa. Porém, o relatório diminui o número de integrantes das respectivas instâncias de 22 (Conselho Curador) para 11 (Comitê Editorial), além de limitar as atribuições da última exclusivamente à definição da linha editorial da EBC. “A principal diferença entre as duas instâncias é que a nova não terá nenhuma função administrativa no organograma da empresa, como o poder de destituir o diretor-presidente, prerrogativa que estava à disposição do Conselho Curador”, reconhece o próprio Lasier Martins.
 
O relatório indica que as decisões do Comitê Editorial têm caráter consultivo e deliberativo, devendo ser seguidas pela diretoria-executiva da empresa. Em caso de descumprimento, o comitê acionaria a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado Federal, que intercederia junto à direção da EBC.
 
Um segundo ponto destacado no relatório diz respeito diretamente ao cargo de diretor-executivo da EBC. Na proposta de Lasier Martins, o diretor-presidente precisará passar por uma sabatina e pela aprovação do Senado, ainda que a sua nomeação e demissão sejam determinadas a qualquer momento pela Presidência da República. Sendo assim, o relatório do senador mantém um dos principais problemas responsáveis pela descaracterização da empresa pública trazidos na MP 744, que é o fim da estabilidade no mandato do presidente da empresa.
 
Controle social e gestão pública
 
Ainda justificando seu parecer, o senador traz dois argumentos principais para a criação do Comitê Editorial e de Programação. O primeiro é que “parece não haver divergência a respeito de que um de seus principais requisitos mínimos é possuir algum mecanismo de controle social, com a participação da sociedade”.
 
O segundo argumento, conforme sua fala, é de ordem financeira. Caso não seja previsto qualquer mecanismo que caracterize a EBC como gestora de comunicação pública e com participação social, isso poderia significar a extinção, por perda de objeto, da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP), devida pelas prestadoras de serviços de telecomunicações, nos termos da Lei nº 11.652, de 2008. Lasier Martins reforça essa questão no relatório, destacando que, “se [a EBC] não for uma empresa de caráter público, as teles não teriam razão para recolher a CFRP, que em 2015 totalizou mais de R$ 300 milhões”. A CRFP seria a principal fonte orçamentária da EBC, mas esse recurso encontra-se bloqueado hoje por uma disputa judicial.
 
Críticas à inconsistência do relatório
 
O presidente da Comissão Mista do Congresso Nacional, deputado Ságuas Moraes (PT-MT), criticou o relatório final dos trabalhos realizados pelo colegiado. Para ele, até mesmo propostas que poderiam trazer algum avanço acabam sendo anuladas por outras que retiram sua eficácia. “O relator criou, por exemplo, a figura do Comitê Editorial e de Programação para orientar a produção de conteúdo. Poderia até funcionar, mas ele determina que essa instância deva ser composta apenas por pessoas oriundas da mídia, prejudicando a voz da sociedade. Outro ponto interessante, que é a sabatina do diretor-presidente da EBC pelo Senado, acaba se perdendo quando é criada a possiblidade do presidente da República demitir sumariamente o dirigente máximo da EBC a seu bel prazer”, afirma.
 
Medição de audiência
 
Uma outra questão controversa foi a proposta do relator sobre os “métodos para elevar os índices de audiência da EBC”. O senador Lasier Martins recomenda no parecer que a empresa pública contrate regularmente pesquisas para auferir a audiência, como forma de orientar a produção de conteúdo, ignorando a contribuição da sociedade civil, em audiência pública realizada no dia 29 de novembro, em que foram feitas várias intervenções dos participantes no sentido de afirmar que a preocupação da comunicação pública deve estar na divulgação da diversidade e pluralidade brasileiras, e menos na questão de “medições de audiências”. Isso porque tais medições quantitativas foram criadas com fins mercadológicos, não tendo a complexidade necessária para avaliar os resultados da comunicação pública, conforme seus objetivos específicos.
 
“As funções básicas da comunicação pública são construção de cidadania, utilidade pública, interesse público, sustentar a cidadania, promover a educação, estimular a criatividade e excelência cultural, diminuir a concentração dos veículos – uma das funções muito importantes da comunicação pública também – e aumentar a pluralidade de vozes e opiniões na mídia, sem se prender à necessidade de uma medição de audiência que não representa a realidade e a totalidade da população brasileira”, enfatizou Renata Mielli, coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), durante a audiência do dia 29 de novembro.
 
Pessoas de notório saber
 
Na verdade, o Comitê Editorial e de Programação aparece no relatório mais como uma forma de minimizar as fortes críticas feitas pela sociedade civil durante as audiências públicas realizadas pela comissão. Porém, ao restringir as indicações a “pessoas de notório saber em comunicação social”, tal comitê não cumpre o papel de garantir diversidade e pluralidade na tomada de decisões. Essa é uma diferença essencial em relação ao projeto da EBC desmontado pela MP 744/2016.
 
O extinto Conselho Curador tinha 15 representantes da sociedade civil que não estavam necessariamente vinculados ao setor da comunicação, porém que possuíam o conhecimento de telespectador do segmento que representava naquela instância. Com o Comitê Editorial, a representação da sociedade vai se limitar aos próprios profissionais da comunicação. Serão comunicadores falando com comunicadores em nome da sociedade, sem a participação de outros sujeitos de nossa composição social.
 
Atribuições do Comitê Editorial
 
O Comitê Editorial proposto pelo senador Lasier Martins tem entre suas atribuições:
 
* deliberar sobre os planos editoriais propostos pela Diretoria-Executiva para os veículos da EBC, na perspectiva da observância dos princípios da radiodifusão pública;
 
* deliberar sobre alterações na linha editorial da programação veiculada pela EBC;
 
* propor a ampliação de espaço, no âmbito da programação, para pautas sobre o papel e a importância da mídia pública no contexto brasileiro;
 
* convocar audiências e consultas públicas que oportunizem a ampla discussão sobre os conteúdos produzidos e que permitam qualificar o desempenho do serviço prestado;
 
* formular mecanismo que permita a aferição permanente sobre a tipificação da audiência da EBC, mediante a construção de indicadores e métricas consentâneos com a natureza e os objetivos da radiodifusão pública, considerando as peculiaridades da recepção dos sinais e as diferenças regionais.
 
Composição do Comitê Editorial
 
De acordo com o relatório, o Comitê Editorial e de Programação será composto por membros indicados por entidades representativas dos seguintes setores:
 
* um representante de emissoras públicas de rádio e televisão;
 
* um representante dos cursos superiores de Comunicação Social;
 
* um representante do setor audiovisual independente;
 
* um representante dos veículos legislativos de comunicação;
 
* um representante da comunidade cultural;
 
* um representante da comunidade científica e tecnológica;
 
* um representante de entidades de defesa dos direitos de crianças e adolescentes;
 
* um representante de entidades de defesa dos direitos humanos e das minorias;
 
* um representante de entidades da sociedade civil de defesa do direito à Comunicação;
 
* um representante dos cursos superiores de Educação;
 
* um representante dos empregados da EBC.