Lu Castro: Black Sabbath e a chuva necessária

Domingo, 4 de dezembro de 2016. Há cinco anos, Dr. Sócrates partia para outro rolê, que, acredito eu, tenha sido infinitamente melhor do que permanecer por aqui e ser obrigado a vivenciar momentos de retrocesso pesado além da ascensão de “heróis” com métodos muito questionáveis.

Por Lu Castro*

Black Sabbath, em sua última turnê mundial

Confesso ter esquecido da data, afinal, na terça-feira, 29 de novembro, o país avançava na madrugada com a notícia do trágico acidente com o avião da equipe da Chapecoense. Muitos dias e muitos teras de conteúdo acerca do desastre, uma homenagem maravilhosa organizada pelo Atlético Nacional e uma tristeza que se abateu sobre o mundo.

Para o mesmo dia 4 de dezembro, movimentos que se autodenominam “apartidários” mas que constantemente tem seus fins eleitoreiros expostos – fora o patrocínio de partidos como PSDB –, convocam as pessoas para uma manifestação, ou, como circula na boa e bem humorada esquerda, para um ato da “depressão pós-pato”.

Fui convidada a participar pelos amigos desavisados, mas declinei, óbvio! JAMAIS me juntaria num movimento que insuflou e legitimou o golpe. Simples assim. Ademais, meu domingo estava reservado para algo muito mais importante.

Tendo como ápice a morte de jogadores, dirigentes e jornalistas no voo 2933 da LaMia, o país vive um luto em loop com a aprovação da PEC 241-55, a brutalidade com que o estado policialesco tem se portado frente aos movimentos sociais, a reforma da aposentadoria, a alta no desemprego, o loteamento do pré-sal e tantas outras bizarrices fomentadas pelos golpistas. Diante de quadro tão sinistro, nada poderia ser mais auspicioso do que a passagem do Black Sabbath por São Paulo como fim de sua turnê pela América do Sul.

A previsão para a cidade de São Paulo era de chuva, portanto partimos para o Morumbi prevenidos, mas não menos animados. Ter Sabbath e sua formação quase original na turnê The End seria um bálsamo para nossa tão atormentada alma brasileira. Era hora de esquecer esse lamaçal. Era hora de esquecer que estamos jogados no limbo e cercados pelas almas mais sebosas e grotescas de todo o universo.

Vinte horas e trinta e cinco minutos. Morumbi às escuras. Garoa fina e incessante. Não houve pôr do sol. Nuvens escuras nos protegem de qualquer interferência que não seja Black Sabbath. O céu se apresenta tal qual o céu em que se formou a banda mãe do metal.

Entram Ozzy, Geezer, ‘Lord’ Tony Iommi, Tommy Clufetos e Adam Wakeman. O mundo lá fora ainda existe? Acho que não! Desculpem-me filhas, mãe, pai, irmãos, amigos. Só Sabbath me basta. E a garoa se transforma em chuva pesada enquanto as 65 mil pessoas no Morumbi cantam mais alto em resposta a Ozzy, aos riffs de Iommi, ao baixo frenético de Geezer e a bateria sendo esmerilhada por Clufetos.

A chuva como limpeza, assim como o caos que precede a ordem e Black Sabbath como alento em “Children of the grave”. Finda Sabbath no Brasil com Paranoid e a certeza de presenciar um fato histórico! Só não finda a necessidade de me calar e tentar prolongar por quanto tempo for necessário, a música em meus já prejudicados ouvidos.

E foi no silêncio a que me propus desde domingo, que me recordei dos cinco anos de ausência do Doutor. De alguma forma, contemplar Black Sabbath no Morumbi foi um ato de reverência aos revolucionários como Sócrates e de desprezo aos oportunistas.

Obrigada Black Sabbath pela chuva de limpeza necessária, pela presença respeitosa em momento de luto tão pesado e por me ajudar a suplantar com a harmonia do seu som, o ruído enfadonho dos cidadãos obsoletos.