“Daria minha vida pela Revolução”, diz taxista de bicicleta de Havana

Jiuran Diaz, 36 anos, pai de um menino de 11 anos e que trabalha transportando turistas pelas ruas de Havana numa bicicleta adaptada para funcionar como um táxi mais barato, considera que os primeiros passos diplomáticos dados para pôr fim ao bloqueio econômico imposto pelos EUA provocarão uma grande entrada de estadunidenses na ilha.
Por Camilo Toscano

Taxista de bicicleta em Cuba - Camilo Toscano/Opera Mundi

“O mundo é assim, as coisas proibidas são as que mais chamam a atenção do ser humano. E Cuba sempre foi a fruta proibida para os EUA. O maior sonho de qualquer americano é vir a Cuba”, afirma. “Sempre dizem que Cuba é um paraíso, que é tropical, tem 495 anos de história e eles não podem vir. Se dão essa oportunidade, todos vão querer vir”, completa.

As primeiras negociações conduzidas pelos presidentes Raul Castro (Cuba) e Barack Obama (EUA) preveem a realização de voos diários partindo de solo estadunidense e aterrissando na ilha. Diaz avalia que se, por um lado, o fluxo de turistas vai dinamizar o turismo, principal pauta econômica cubana, por outro, deve impactar negativamente o país.

“O problema é que não estamos preparados para receber um turismo forte, não há uma quantidade de hotéis para poder abrigar a tantos visitantes e os muitos cubanos que vivem lá [EUA] há 60 anos também querem vir”, diz. “Temos que fazer pouco a pouco.”

Diaz divide sua licença com validade de um ano para conduzir a bicicleta com um ajudante e trabalha num ponto fixo da cidade, na chamada “Havana Vieja”, o centro da cidade. A cada 15 dias, faz uma pausa para descansar as pernas, mas algumas vezes passeia com os amigos, com quem gosta de conversar tomando rum puro. Faz seu próprio horário, às vezes começando às 8h, às vezes às 11h, quase sempre completando uma jornada de sete horas diárias.

O “taxista de bicicleta” conta que junta $100 CUCs, a moeda destinada para os turistas – os cubanos utilizam o peso. O valor corresponde a cerca de US$ 100 (R$ 345). “Mas se eu aperto muito o orçamento e o tempo de trabalho, às vezes dobro esse valor”, afirma. Ele vive em uma casa particular, no centro, cujo aluguel é de $40 CUCs por mês – cerca de US$ 40 (R$ 138).

Para Diaz, a morte do ex-presidente e líder da Revolução Cubana, Fidel Castro, ocorrida na noite de sexta-feira (25), vai alimentar o caminho das mudanças já iniciadas pelo governo de Raul Castro, mas não será um processo imediato. “Tudo vai levar um tempo depois da morte do comandante. Mas os mesmos ideais vão permanecer. É uma cadeia, teria que acabar a espécie que ele forjou, porque há muitos fidelistas, muitos revolucionários, muitas pessoas que dariam a sua vida por isso e prometeram que nada mudaria depois da sua partida”, diz.

Sobre as razões de haver tantos apoiadores de Fidel e manifestações de afeto nas ruas de Cuba neste período de luto de nove dias decretado pelo governo, ele conta que se deve à educação e ao diálogo desde a primeira infância. “Falo de política com meu filho, que pergunta como era a vida antes da revolução, como triunfou a revolução, onde dormiam na Serra Maestra sem condições. Então, mais ou menos, eu vou lhe ensinando os valores e detalhes da revolução”, diz. “Eu também daria minha vida por isso”, conclui.

Em sua opinião, pelo que observa e pelas conversas com amigos, existe “menos de 20%” de cubanas e cubanos que não estão de acordo com o modelo vigente. “Não vão fazer a diferença porque não houve gente que dissessem ‘abaixo Fidel, abaixo os Castros’ nesses dias. Existe um respeito à pessoa”, conta. Diaz também revela que é de conhecimento de todos na ilha que muitos dos que falam mal de Fidel são “negociados”, ou seja, “pagos pelos EUA para criar divisão em Cuba”, já que gerar instabilidade interna é mais viável que “jogar uma bomba aqui agora”.

Nascido em Olguín, Diaz aponta o chamado “período especial”, quando a Queda do Muro de Berlim (1988) interrompeu o fluxo financeiro da ex-URSS para Cuba, como o principal combustível para os intentos de divisão interna, já que Cuba viveu anos de muitas dificuldades na década de 1990. “Com a queda do campo socialista, passei por necessidade”, diz, remetendo-se à fome que impactou o povo cubano na época. “Mas também nos ajudamos muito, porque nosso modelo é de solidariedade. As coisas só começaram a melhorar em 1998, com as negociações com o Canadá”, afirma.

Dizendo-se interessado em conhecer o Carnaval do Rio de Janeiro, Diaz lamenta a falta de acordos que permitam a circulação de cubanas e cubanos pelo mundo. “A liberdade de viajar nós temos, tira o passaporte e pronto. Mas não depende de Cuba, e sim dos outros países, de as embaixadas dos outros países aceitarem os cubanos”, afirma, apontando as entrevistas e a inexistência de endereços de referência nos locais de destino como principais obstáculos para se conseguir autorização.

Diaz não é casado, tampouco nunca casou, afinal, “muita gente se junta, mas não se casa em Cuba”. Crê na existência de Deus, quem “deu nome as coisas”, mas não se considera religioso. Com um sorriso tímido no rosto, diz que “a felicidade não existe, são os momentos que são felizes e não acontecem todos os dias”.