Guadalupe Carniel: Verde esperança

Hoje não tem texto sobre Copa da Argentina, nem sobre a final venezuelana, nem sobre papel picado, nem sobre a Conmebol e a final em Miami. O assunto ainda é a Chapecoense.

Por Guadalupe Carniel*

Vista aérea do estádio Atanásio Girardot, do Atlético Nacional de Medellin, lotado durante a homenagem à Chapecoense na noite de 30 de novembro de 2016

Hoje a gente começa com duas perguntas: Como se mede a grandeza de um clube? E o que é futebol? Muito já se foi discutido em bate-papo filosófico de boteco.

Quanto à primeira pergunta: são seus títulos? Sua gente que nunca te abandona? Sua história? Talvez. Mas, e quando a atitude de um time conquista a todos? Foi isso que o Atlético Nacional mostrou. Sensibilidade. Logo após a notícia da queda do avião da Chapecoense, o Nacional já começou a se movimentar nas redes sociais. Durante todo o dia, davam notícias e prestavam solidariedade aos brasileiros. Escreveram um texto tocante no site, solicitando que o título sul-americano fosse entregue à Chape. E mais do que isso: mobilizou o mundo do futebol.

Times sul-americanos, como os argentinos, por exemplo, falavam em ceder jogadores gratuitamente para a equipe catarinense; outros que ajudariam financeiramente, como o Celtic da Escócia; o Palmeiras quer jogar com a camisa do clube e os demais times brasileiros querem ceder jogadores e que os catarinenses sejam impedidos de cair até 2020, assim como o Torino. Até o maestro Roman Riquelme cogitou largar a aposentadoria para jogar pelo alviverde.

Homenagens na iluminação do estádio de Wembley, torcida do Liverpool cantando “You ‘ll never walk alone”. Mas nada foi tão emocionante quanto o que o Nacional fez: durante o horário da partida, cantou, alentou e suportou a Chape. Era tanto hincha que não coube no estádio. Aliás, as ruas que deveriam ser nossas estavam sendo tomadas democraticamente e pintadas em alviverde.

E o futebol? Sempre batemos na tecla de que é mais do que um esporte, que já rompeu barreiras, que é um turbilhão de sentimentos, tudo pelas cores que defendemos. Ok, homenagens são vistas quando pessoas morrem aos montes. Mas quando falamos de futebol, se torna algo transcendental. Ali provamos que somos mais do que fãs que acompanham o esporte. Somos humanos. Deixamos nossas bandeiras, escudos e cores de lado (vide que Palmeiras se “vestiu” de negro em luto e o Corinthians de verde pela Chape, coisa impensável por qualquer pessoa que entenda o mínimo de futebol).

Começou uma catarse como não lembro de ter sido vista no futebol. Aliás, por falar em cores, foi a primeira vez que o verde que pra muitos significa esperança se tornou luto.

E eu falei que ele também rompe barreiras. O Brasil tá localizado na América Latina. Mas salvo raríssimas exceções, não temos brasileiros se declarando latinos. Porém, a comoção da parte que fala espanhol do continente foi tanta com a Chape que o restante do país se sentiu acolhido. Acho que na história é o primeiro caso da América Latina unida alentando num só sentimento, tentando dar forças e amparo ao povo de Chapecó. Demonstramos que o futebol não tem fronteiras.

Em 2016, o continente foi dominado pelo verde, com o Nacional com uma campanha impecável na Libertadores. Na sul-americana, tanto o verdolaga quanto a Chape (time que tem como mascote um índião mau-encarado, com pinta de dono de um forte tal como a Arena Condá) foram copando aguerridamente partida a partida, com alguns jogos épicos principalmente pelo lado catarinense. Afinal, quem esperava que o Independiente ou San Lorenzo caíssem no torneio, pra uma equipe que estava crescendo nos últimos cinco anos mas que nunca tinha participado duma competição internacional?

O que vai ser feito e como será a vida do clube e da cidade, ninguém sabe. Com a morte desse plantel morreu um pouco daquele futebol que a gente gosta: o que questiona a lógica, o que faz com quem tem mais aguante e raça, fé e não deixa de acreditar é quem chega. Por outro lado, temos uma chance de alterar o rumo, que nosso futebol que anda tão insosso, seguia.

E talvez ainda caiba uma sugestão à Conmebol que tanto quer que tenha jogo em campo neutro: por que não a primeira final acontecer na final da Arena Condá? Uma forma mais do que justa de homenagear um time heroico e que não será esquecido.