Mulheres celebraram decisão do STF sobre aborto

O Supremo Tribunal Federal criou um precedente para a luta por direitos reprodutivos das mulheres em um voto apoiado por três ministros. Analisando o caso de cinco médicos e funcionários presos por envolvimento em uma clínica clandestina de aborto, no interior do Rio de Janeiro, os ministros do STF votaram pela liberdade dos acusados, alegando que a interrupção voluntária da gravidez até o terceiro mês de gestação não é crime, porque viola os direitos fundamentais da mulher.   

Delegada Tatiana Bastos fala durante Coloquio - Foto: Guilherme Santos/Sul21

A decisão foi comemorada por mulheres que se reuniram em um colóquio especial sobre aborto seguro, no Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, em Porto Alegre. As mesas que reuniram profissionais das áreas de saúde, segurança e legal, discutiram políticas públicas voltadas a atender mulheres que têm direito à interrupção voluntária da gravidez.

“Ela pode ajudar muito na própria questão das mulheres se permitirem a usar esse direito. Mesmo aquelas que vêm convictas de que querem fazer o aborto, no caso do aborto que é permitido em lei, elas têm muita culpa em relação a essas crenças religiosas. A maioria nunca pensou que em algum momento da vida teria de tomar esse tipo de decisão”, diz Ângela Ruschel (Foto abaixo | Guilherme Santos/Sul21), psicóloga que atende vítimas de violência sexual no Presidente Vargas há 14 anos.

Acostumada a ouvir histórias de centenas de mulheres que buscam ajuda na rede de saúde, Ângela defende que o aborto muitas vezes é a única possibilidade que mulheres vítimas de violência encontram para se recuperar. Durante o colóquio desta quarta, por exemplo, ela contou o caso de uma mulher de 26 anos, estuprada por dois homens armados, numa noite em que saía do trabalho. Ela descobriu a gravidez um tempo depois. A primeira vez em que sentiu o bebê se mexendo dentro de sua barriga, foi a primeira vez em que tentou se matar.

“Quando ela chega grávida de uma relação de violência sexual, a gente já falhou em várias instâncias. A gente falhou na proteção, a gente já falhou nas medidas profiláticas de emergência, porque se ela soubesse que existem serviços de saúde que podem oferecer essa contracepção de urgência, ela poderia ter acessado”, analisa a psicóloga.

Vítimas de violência não fazem aborto por falta de informação

Muitas vítimas de violência sexual ainda encontram dificuldade de ver respeitados direitos que já estão garantidos por lei. A exigência de muitos hospitais de que a mulher deve apresentar um boletim de ocorrência para ter acesso ao aborto legal, por exemplo, não existe na lei e não pode ser usada como condição.

Atualmente, a lei brasileira permite interrupção voluntária da gravidez por três razões: gravidez que põe em risco a vida da mãe, se o bebê apresentar anencefalia e em casos de estupro. A decisão do STF porém, vai além dessas hipóteses e cria um novo precedente legal.

“Com certeza é um tema novo e um precedente em relação a descriminalização do aborto como um todo”, afirma a delegada da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, Tatiana Bastos. Segundo ela, 65% das mulheres vítimas de violência sexual não fazem aborto legal por falta de informações sobre os serviços aos quais elas têm direito. “Isso é grave, isso é revitimizar essa mulher”.

Por outro lado, projetos como o PL 5069/2013, de autoria do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB), ainda tramitam no Congresso e colocam empecilhos e entraves para direitos que já foram conquistados – como a pílula do dia seguinte, método contraceptivo de emergência, que poderia evitar a muitas mulheres terem de chegar ao aborto. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), também já fala em iniciar uma Comissão especial para tratar da decisão do STF.

Enquanto isso, mesmo o simples acesso às redes de saúde segue sendo obstáculo para as vítimas. “Esse acesso é extremamente difícil. Não só por educação, mas pela falta de preparo dos profissionais da saúde, em lidar com essa questão. Questões ético-morais ainda são muito fortes, apesar de sermos um Estado laico, ainda estão muito presentes e no Congresso temos uma representação muito forte dessa bancada”, diz a delegada.