A vida me fez ser feminista, diz jornalista censurada no Altas Horas

Letycia Oliveira é jornalista, feminista e mulher independente que conta com a ajuda da mãe para cuidar de sua filha de oito anos de idade. Ela nunca imaginou que de uma hora para outra se tornaria uma referência de coragem para outras mulheres que, assim como ela, também sofreram violência doméstica.

Por Mariana Serafini

Letycia Oliveira - Felipe Neiva

Tudo começou quando Letycia foi convidada para contar sua história no programa Altas Horas, da Rede Globo. O vídeo não foi ao ar e ela decidiu denunciar a censura. Seu texto foi publicado pelo Vermelho e pela UJS. Depois disso as coisas tomaram uma proporção que ela sequer poderia imaginar. “As mulheres me param na rua para me contar as histórias delas, as pessoas querem me abraçar, muita gente que me conhecia e nem imaginava o que tinha acontecido me diz que eu fui muito corajosa. Mas corajosa por que? Isso [violência doméstica] é algo que acontece com muitas mulheres!”.

Quando decidiu contar o motivo de sua história não ter ido ao ar no programa, Letycia também decidiu falar, por conta própria, sobre a violência que sofreu e isso fez com que outras mulheres se sentissem seguras para procura-la para compartilhar suas histórias.

Passaram oito anos desde que Letycia se separou do agressor, e em quase todo este tempo ela não tocou no assunto porque não é algo simples. Depois de dar à luz (porque lutou muito para manter a gravidez depois de toda a agressão física que sofreu), ela entrou em um quadro grave de depressão e precisou fazer uma série de tratamentos psicológicos.

Letycia não é uma mulher com baixa escolaridade, nem vive em situação de alta vulnerabilidade social. Aparentemente está “fora das estatísticas”. Mas durante sete anos teve receio de falar sobre o que sofreu. E agora, depois que divulgou sua história, não se sente completamente segura, apesar de estar feliz com o resultado.

“Fiquei feliz com a forma como as pessoas receberam a história, as mulheres se identificaram com o texto, foi um grito de liberdade no sentido de mostrar que a gente tem que discutir, tem que falar no assunto. Mas ao mesmo tempo, fica um sentimento estranho porque a sociedade nos reprime tanto que às vezes bate um sentimento de culpa, não sei dizer, é estranho, eu fiquei meio confusa depois da repercussão toda”.

Para ela, as mulheres sofrem caladas muitas vezes por não entender exatamente o que é “violência doméstica” ou “violência sexual”. É como se esses termos fossem distantes demais da realidade. E no momento que uma decide denunciar, outras se identificam e se sentem seguras para contar suas histórias também.

“[Depois de contar a história] eu também fiquei com medo de sofrer alguma agressão, de alguém, não sei, deu um medo. Afinal de contas, estamos mexendo com homens. Mas eu tive força para falar e acho que o papel social de compartilhar essa história é muito maior que qualquer medo, é muito maior que esta opressão e eu como feminista vejo que é necessário que a gente fale sobre isso. É necessário que exista essa discussão. E quando uma mulher abre a boca para falar, outras mulheres também acham que é possível se livrar destas amarras”, esclarece.


"Quem me vê sorrindo, conversando com todo mundo, não imagina o que se passa, não imagina o que se passa com uma mulher" | Foto: Handson Chagas

 

Apesar de ter sofrido violência doméstica e ter encarado essa batalha sozinha, Letycia não percebia toda a força que tinha até entrar em contato com outras mulheres vítimas de agressão. Hoje, oito anos depois, ela se considera “feminista da vida”. “Agora que as pessoas sabem minha história elas me olham como uma mulher de luta. E não é porque eu estou estudando, estou lendo textos feministas, eu sou feminista da vida, do dia a dia, sou feminista porque o machismo me fez feminista e esse machismo faz com que eu tenha mais certeza de que é preciso ser feminista. É preciso ter um posicionamento para tentar mudar essa realidade”.

Agora que participa de grupos feministas e se sente segura até de participar de manifestações em sua cidade, São Luís, no Maranhão, Letycia tem interesse em estudar mais sobre feminismo para “poder inspirar outras mulheres”.

Ela acredita que o feminismo é algo muito mais simples e está mais presente no cotidiano das mulheres do que se imagina porque a violência e os abusos também acontecem diariamente. “Eu já tive outros relacionamentos que sofri agressão, já sofri abuso de chefes e isso acontece com muitas mulheres, mas eu tenho a impressão de que nós estamos nos dando conta disso, nós queremos ter voz na sociedade”.

Feminista “iniciante”, Letycia acredita que a mídia alternativa tem contribuído muito para fomentar o debate, “tem várias blogueiras no Brasil falando disso e as mulheres estão tomando mais consciência também. A gente só quer igualdade. Eu quero poder dirigir numa boa sem ser xingada por ser mulher, usar roupa curta, comprida, burca, sem ser julgada por isso”, afirma.

Enquanto jornalista, ela acredita que pode contribuir com o debate. “Eu acho que falar no assunto ajuda outras mulheres a procurarem apoio, a denunciar as agressões”.