Testemunhas confirmam inocência de Lula e Moro atropela lei processual

A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve um forte embate com o juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava Jato na primeira instância, e representantes do Ministério Público Federal (MPF) durante audiência realizada nesta segunda-feira (21) na Justiça Federal do Paraná, em Curitiba, para oitiva de testemunhas de acusação do processo que envolve o tríplex no Guarujá (São Paulo).

defesa de Lula

Durante o depoimento do ex-senador Delcídio Amaral, testemunha da acusação, a defesa do ex-presidente apontou uma contradição da decisão de Moro que, apesar de negar à defesa o levantamento de provas, estava permitindo ao procurador da República que representou o Ministério Público Federal fizesse perguntas fora do âmbito da denúncia formal.

O advogado Cristiano Zanin Martins tentou apresentar uma questão de ordem durante o depoimento: “Excelência, pela ordem, estamos falando de três contratos celebrados com uma empreiteira”.

Moro interrompeu: “Dr., é contexto, existe uma dinâmica. Existe um contexto e essa pergunta [do procurador] está dentro desse contexto”.

“Qual é o contexto? O contexto só existe na cabeça de Vossa Excelência. Que contexto é esse? O contexto para nós é a denúncia. E o contexto é a denúncia. Nós pedimos para que o Ministério Público se mantenha, portanto, no objeto da denúncia”, disse um dos advogados de Lula.

Zanin novamente tentou concluir a questão de ordem: “Vossa Excelência me permite, quando pedimos a produção de provas vossa excelência foi muito claro e enfático ao dizer que a acusação se restringia a três contratos que envolvem uma empresa”.

Moro, irritado, respondeu: “Dr, a defesa pediu cópias de todas as atas de licitações e os contratos da Petrobras em 13 anos, diferente de o Ministério Público fazer uma pergunta para a testemunha nesse momento. Está indeferida essa questão, dr., podemos prosseguir… No momento próprio a defesa pode fazer [perguntas], agora estamos ouvindo a testemunha e a palavra está com o Ministério Público”.

Zanin enfatizou que não se tratava de uma interrupção, mas de uma tentativa de apresentar questão de ordem e que o juiz não estava permitindo que a defesa concluísse. “Mas é uma questão de ordem, Vossa Excelência tem que me ouvir”, enfatizou Zanin.

“Dr., a defesa vai ficar fazendo a cada dois minutos, a defesa vai ficar levantando questão de ordem, é inapropriado. Estão tumultuando a audiência”, disse Moro, na tentativa de intimidar a ação da defesa.

“Pode ser inapropriado, mas perfeitamente jurídico e legal”, afirmou o criminalista José Roberto Batochio. “O juiz preside, o regime é presidencialista, mas o juiz não é o dono do processo. Aqui os limites são a lei. A lei é a medida de todas as coisas. E a lei do processo disciplina essa audiência. A defesa tem o direito de fazer o uso da palavra pela ordem para arguir questão de ordem ou se a Vossa Excelência quiser eliminar a defesa eu já imaginei que isso tivesse sido sepultado em 1945 com os aliados e vejo que ressurge aqui nessa região agrícola do nosso país. Se Vossa Excelência quiser suprimir a defesa então acho que não há necessidade nenhuma de continuarmos essa audiência”, enfatizou o jurista.

Moro decidiu cortar os microfones e seguiu com a oitiva de Delcídio. Até que o próprio advogado do ex-senador, que acompanhava a audiência, questionou o juiz sobre uma das perguntas feitas ao seu cliente. Moro questionou o ex-senador sobre a tentativa de obstruir uma possível delação do ex-gerente da área internacional da Petrobras, Nestor Cerveró.

“Seguindo aqui nessa questão, o senhor poderia me descrever um episódio aqui, que houve uma tentativa de impedimento da delação do senhor Nestor Cerveró. O senhor se envolveu nesse episódio?”, indagou Moro.

“Excelência, o senhor me desculpa, mas esse fato é objeto de um processo que tramita, por decisão do Supremo Tribunal Federal, na Justiça Federal de Brasília. E já houve, inclusive, audiência na semana passada, quando todas as testemunhas acabaram por não reconhecer a delação do depoente em relação a esse tema”, disse um dos advogados do ex-presidente.

Seguindo a retórica da “convicção”, Moro voltou a falar que havia um “contexto” para fazer tal pergunta. Mas um dos advogados de defesa de Lula advertiu: “É que é outro processo. O Supremo disse que Vossa Excelência não tem competência para tratar desse caso. Vossa Excelência está afrontando uma decisão do Supremo agora”.

O advogado de Delcídio endossou: “Vou acompanhar aqui o ilustre advogado, em razão de que o senador Delcídio é acusado naquele processo. Então, Vossa Excelência, com todo o respeito, estaria antecipando o interrogatório. E isso poderia gerar um efeito naquele outro processo. Então, Vossa Excelência poderia reconsiderar isso aí, de não fazer perguntas sobre aquele processo?”

Moro insistiu: “São breves questões relacionadas sobre o que ele já prestou aqui sobre esse fato”. A defesa do ex-presidente reforçou que Moro estava afrontando decisão do Supremo.

Moro, em 20 de setembro, aceitou na íntegra a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o ex-presidente Lula e outras sete pessoas, sem provas, mas com base nas “convicções”. Para Cristiano Zanin, a conduta de Moro durante audiência “não surpreende, diante do histórico de violações às garantias fundamentais já ocorridas e praticadas por esse juiz de Curitiba”.

“Aula de processo penal dos advogados e, mais uma vez, uma aula de arbitrariedade do nosso Judiciário. Para quem ainda acredita que estamos vivendo em um Estado de Direito”, disse o jurista e professor da PUC, Rafael Valim, nas redes sociais.

Sobre os depoimentos, a defesa do ex-presidente disse os quatro delatores arrolados pelo Ministério Público Federal para depor não apresentaram qualquer elemento que confirme a tese acusatória relativa à propriedade de um apartamento triplex, no Guarujá, pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua esposa Marisa Letícia.

“O ex-senador Delcídio do Amaral, um dos delatores ouvidos, disse nada saber sobre essa acusação do tríplex, limitando-se a repetir suas já conhecidas afirmações vagas e sem provas”, disse a defesa.

“Ele [Delcídio] não conseguiu e não soube apresentar nenhuma prova, mostrando que a delação premiada que fez ao Ministério Público está baseada simplesmente em opiniões e ilações. Isso ficou muito claro na semana passado quando o Nestor Cerveró não reconheceu as palavras de Delcídio e hoje, quando ele foi confrontado a apresentar provas, ele não soube apresentar”, enfatizou Zanin em entrevista coletiva após a audiência.

“Delcídio foi incapaz de apontar um fato ou conversa concreta em relação a Lula”, disse a defesa, reforçando que os demais delatores também afirmaram desconhecer qualquer relação de Lula com este imóvel ou com o recebimento de qualquer quantia indevida.

“Os depoimentos colhidos deixam, portanto, claro que Lula não praticou ato ilícito. Essa mesma constatação emergiu na audiência do dia 8/11, na 10ª Vara Federal de Brasília, quando os depoentes não confirmaram a acusação de Delcídio sobre a ‘compra de silêncio’ de Nestor Cerveró. O próprio ex-diretor da Petrobrás isentou Lula de qualquer intervenção no seu processo de delação premiada”, explicaram os advogados por meio de nota.

E concluem: “Mais uma vez ficou claro que as acusações que o MPF fez contra Lula são frívolas, sem materialidade e fazem parte de um processo de lawfare, que é o uso de procedimento jurídicos para fins de perseguição política”.