Trabalhadores americanos que votaram no Trump

Poderá Trump salvar estes empregos? Os operários contam com isso. Reportagem do The New York Times mostra a reação de trabalhadores que votaram em Donald Trump.

Por José Carlos Ruy (*)

Jennifer Shanklin e Nicole Hargrove
 
Desencantados com as promessas dos Democratas, desiludidos com Barack Obama e sem acreditar em Hillary Clinton, empobrecidos pelas políticas neoliberais que os afetaram ao “exportar” seus empregos para outros países, muitos trabalhadores nos EUA acreditaram nas promessas de Donald J. Trump e votaram nele para presidente da República na eleição de 8 de novembro de 2016.
 
O diário The New York Times trouxe ontem (12) uma longa e esclarecedora reportagem, assinada por Nelson D. Schwartz, sobre estes trabalhadores indignados pelo empobrecimento e pela falta de perspectivas.
 
O ponto de partida é o relato da situação na fábrica da Carrier (subsidiária da United Technologies), em Indianápolis, que vai fechar e ser transferida para o Monterrey (México) causando a perda de 1.400 empregos na cidade do estado de Indiana – eles serão “exportados” para o México, onde o custo da mão de obra é muito mais barato do que custa nos EUA: o salário diário de um trabalhador mexicano equivale ao que um norte-americano ganha por hora!
 
A situação da Carrier foi usada por Trump na campanha eleitoral como exemplo de sua prometida ação em defesa do emprego dos norte-americanos. para o México. A dúvida é se cumprirá suas promessas. 
 
Trump falou em pressionar os executivos da Carrier e em criar uma tarifa alfandegária de 35% sobre os produtos que serão importados do México. É o tipo de iniciativa esperada por trabalhadores que votaram nele. "Se ele não aplicar essa tarifa, vou votar no outro lado da próxima vez", disse Nicole Hargrove, que trabalhou na Carrier por uma década e meia.
 
Esta será a dificuldade com a qual Trump terá que lidar. Aqueles que votaram nele deixam claro que, se não cumprir suas promessas, estão preparados para se voltar contra ele, da mesma maneira como agora puniram os Democratas que não atenderam às suas esperanças, e mudaram seus votos, deixando de apoiar Obama por não ter cumprido promessas que lhe deram a vitória em 2008.
 
Darrell Presley é um metalúrgico em Crawfordsville, Indiana que votou em Obama em 2008. "Esperava a mudança; disseram que cuidariam da classe média, mas não cumpriram essas expectativas", disse.
 
Na eleição, no dia 8, os operários do coração industrial atenderam ao chamado de Trump e votaram nele. Que, agora, como presidente, enfrentará um equilíbrio difícil. As tarifas aduaneiras e as guerras comerciais podem prejudicar os trabalhadores pelo encarecimento das importações. E poucos ficarão satisfeitos em pagar mais por elas. Ao mesmo tempo, os fabricantes sofrem uma pressão implacável de investidores e empresas concorrentes, que esperam lucros elevados. Os gestores de fundos de hedge de Wall Street exigem ganhos crescentes e constantes da matriz da Carrier, a United Technologies, apesar do crescimento continuar lento no resto do mundo.
 
Paul Roell, 36 anos, ganha cerca de 55.000 dólares por ano, com horas extras, trabalhando na Carrier; ele tem poucas ilusões sobre os ventos da frente global que os trabalhadores das fábricas norte-americanas enfrentam. Ele não subestima a profunda ameaça econômica para os 1.400 trabalhadores da Carrier, onde as demissões devem começar no próximo verão e continuarão até o fechamento da fábrica em 2019. 
 
O clima na Carrier tem piorado. Seus engenheiros viajam para Monterrey para supervisionar a mudança da fábrica. Os engenheiros mexicanos, por sua vez, vêm aos EUA para avaliar as máquinas que operarão ao sul da fronteira. "É desmoralizante quando você os vê tirando fotos", diz Roell. "É como se você estivesse se divorciando, mas ainda está vivendo com sua esposa e o novo namorado dela está chegando."
 
Para trabalhadores como Roell, que começou na Carrier logo depois de receber seu diploma da escola secundária, o problema não é a escassez de empregos. Eles existem, mas pagam muito menos do que o salário atual recebido por ele, que é de 23,83 dólares por hora. A perspectiva é encontrar salários menores: entre 13 dólares a 15 dólares por hora. "Acho que poderia trabalhar dois turnos em tempo integral por dia", diz, em tom de brincadeira.
 
Em Indiana, os empregos industriais caíram rapidamente durante a Grande Recessão e só se recuperaram parcialmente. Os salários na indústria geralmente são muito mais elevados do que os recebidos pelos trabalhos de serviço.
 
Desde 2010, o setor privado em Indiana criou cerca de 300 mil empregos, levando a taxa de desemprego de 10,9% em janeiro de 2010 (quase um ponto percentual acima da média nacional) para 4,5% agora (quase meio ponto percentual abaixo do nível nacional taxa de desemprego).
 
Quase toda esta recuperação ocorreu no setor de serviços – empregos em hotéis e serviços de alimentação, ou técnicos de saúde, ou trabalhadores em armazenamento, onde foram criados mais de 220.000 empregos, em um total de 1,9 milhões. As indústrias ficaram atrás, criando 85.569 postos de trabalho desde janeiro de 2010. Isto é, o emprego nas fábricas, em Indiana, permanece significativamente abaixo do que era antes da Grande Recessão.
 
Pior, Os empregos de serviços não chegam perto de pagar o que os trabalhadores industriais recebiam. O Census Bureau mostra que o setor de serviços em Indiana pagava 39.338 dólares em 2015, muito menos do que os 59.029 dólares pagos pela indústria.
 
Poderá Trump, com suas promessas, trazer esses empregos de volta? Vai retaliar contra os empresários se eles não ouvirem essa maré? 
 
Os trabalhadores, mesmo os que votaram nele, não tem tanta certeza. Robin Maynard, um líder da turma da Carrier que apoiou Trump entusiasticamente, reconhece que mesmo um telefonema do Salão Oval para a sede da empresa pode não ser suficiente para salvar seu trabalho. "Espero que ele possa fazer algo por nós", disse Maynard. "Mas acho que está fora das mãos do CEO. Está nas mãos dos acionistas."
 
Mas para os operários de Indianápolis e para milhões de outros operários, há somente a esperança de que Trump tentará reverter o longo declínio em seus bairros e padrões de vida.
 
A afro-americana Jennifer Shanklin-Hawkins diz: "Ele não gosta de negros. Ele não gosta de hispânicos. Ele não gosta de pessoas com deficiência". E prossegue: "Meu marido e eu não estávamos zangados ou chateados quando ele venceu. Conheço negros que votaram nele, e quero lhe dar uma chance."
 
Ao longo da estrada próxima à fábrica da Carrier, passando pelas vias férreas e alguns trechos de terra cultivada, está o bairro arrumado de casas de dois andares e fazendas. Ali vive Cecil Link Jr., funcionário de uma fábrica de plásticos local. Ele conta que uma família hispânica recentemente se mudou para a vizinhança e se disse satisfeito por negros e brancos agora se socializarem de maneira quase inimaginável décadas atrás. "Dói-me ver este país dividido por raça", disse. No entanto, ele votou em Trump. A última vez em que votou numa eleição presidencial foi em 1992, em Bill Clinton. Mas desta vez, disse, ele se registrou explicitamente para votar em Trump. "Eu estava cansado de corrupção e mentiras em Washington", disse. "Eu só queria um não político como Trump."
 
Presley, o metalúrgico branco de Crawfordsville, de 59 anos, que votou em Obama em 2008 e em Trump em 2016, foi ainda mais enfático. Sem ressentimento racial ou intolerância étnica, ele apoiou Trump. "Eu cresci no lado oeste de Indianápolis em um ambiente racista", disse. "Mas fui a uma escola que era 57 por cento preta, e joguei futebol com um monte de caras pretas e nos tornamos amigos íntimos. Aprendi a não ser racista”.
 
Em vez de preconceito, o que anima esses eleitores, qualquer que seja sua raça ou orientação política, é uma profunda desconfiança e ressentimento contra os americanos mais ricos e educados. Um grupo que dizem que não tem conexão com os pobres e não se importa com sua situação econômica. E para estes eleitores, Hillary Clinton parecia tão elite quanto Trump, se não mais.
 
Maynard resume a opinião destes trabalhadores ao assegurar que "nós queríamos levar a América em uma direção diferente. Só estou esperando que Trump faça o que diz”.
 
(*) A partir de informações de The New York Times – reportagem de Nelson D. Schwartz, 12/11/2016